quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Ao ver a banda passar...

Por sorte, o que é bom nunca perde o seu valor e vai sempre encontrar um lugarzinho especial no coração das criaturas sensíveis...

Em uma época de muitas mídias, a cultura popular parece estar se afogando nesse mar infindo de ofertas e oportunidades que está sempre à mão dos “antenados” da atualidade. Instrumentos simples, ritmos pouco rebuscados, composições singelas e movimentos quase que elementares, as artes populares parecem estar perdendo espaço, cada vez mais, para a onda de modismos que se espraia entre o populacho.

Há sempre um ritmo novo “bombando” nas baladas, uma canção “da hora” dando audiência às rádios, uma nova moda “fazendo a cabeça” da galera e uma avalanche de ídolos sendo “vendidos” pelos meios de comunicação de massa e consumidos pela maioria dos jovens e adultos, que não costumam se informar sobre o que estão “comprando”.

A qualidade dos produtos é meio duvidosa; o seu conteúdo, então, nem se fala! Mas quem se importa com isso, se a regra geral é não ficar de fora do tresloucado consumismo que tomou conta da sociedade, invertendo valores e colocando na mesma prateleira arte e lixo, pessoas e objetos?

Por sorte, o que é bom nunca perde o seu valor e vai sempre encontrar um lugarzinho especial no coração das criaturas sensíveis...

Que o diga a pequena banda de pífano – composta por um triângulo, uma flauta e uma zabumba –, que apareceu há alguns dias no oitão da minha casa, digo, na rua detrás do meu prédio, vendendo o seu produto como antigamente: de porta em porta.

- Olha o CD! – gritavam eles. Dez reais! Dez reis o CD!

- Olha o CDDDD!!!

Era uma manhã molenga e eu estava em meio aos intermináveis afazeres domésticos quando escutei, ao longe, como que vindo do nada, o som inconfundível de uma bandinha de “pife” tocando as composições clássicas de Luiz Gonzaga.

Atraída pelo fato inusitado, deixei depressa o que estava fazendo e corri à janela para ver a banda passar. Chamei as meninas para que acompanhassem também aquele momento delicioso e fiquei por ali, próxima à janela do quarto, curtindo o som puro e genuíno dessa arte que independe da mídia para se propagar.

Foi quando escutei a vozinha rouca de João Paulo – meu vizinho de seis anos de idade – atravessar a janela do seu apartamento, no sétimo andar, e ganhar a rua, em alto e bom tom, num apelo emocionado aos músicos, que haviam parado de produzir o seu som para vender os CDs que traziam consigo:

- Ei, faz mais música! Mais música!

- Aqui em cima! Olha aqui pra cima e faz mais música!

Eu e minhas filhas nos entreolhamos, surpresas, e caímos na gargalhada, satisfeitas com a espontaneidade da interferência do garoto. Os músicos, por sua vez, felizes com a recepção acalorada do infante e de tantos outros que se postaram à janela de suas casas para ouví-los tocar, acenaram ao pequeno e depois voltaram aos instrumentos, a caminho de outras ruas e em busca de outras platéias e outros consumidores.

A cena me remeteu, de imediato, à canção do incomparável Chico Buarque que descreve, com um realismo comovente, os benefícios que a simples passagem de uma banda de música pode provocar na vida das pessoas.

Invariavelmente, a música quando é boa, como qualquer outra expressão artística, enleva o espírito e alivia as dores da alma tanto de quem toca quanto de quem a escuta.

Nos dias de hoje, em que a fama não indica necessariamente a qualidade do artista, é alentador comprovar, de vez em quando, que o “lixo” revolvido pela mídia não corrompeu de todo o coração das criaturas.

Como na poesia de Chico, a bandinha de pife adocicou o olhar de quem a viu passar naquela manhã. Num dia de céu claro, calor intenso e tempo abafado, a música chegou com a suavidade e o frescor de uma brisa, e todos – eu, as meninas, João Paulo, os outros vizinhos, os porteiros, a moça que passeava com o cachorro, as crianças que brincavam no parquinho –, todos paramos para ver e ouvir a banda passar...

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