domingo, 7 de junho de 2020

Entre um engasgo e outro



É natural. Um dia a gente se cala mesmo, bota tranca na fala e vai perdendo o interesse de se comunicar... Não sei como será isso, mas sei que vai acontecer; e nada do que eu representei para o mundo antes, nem nada do que a comunicação significou pra mim, um dia, vai fazer diferença nesse processo.
Serei apenas uma voz esquecida ecoando dentro da minha cabeça...
Paciência! Faz parte de quem se permite enveredar, de corpo e alma, pelas trilhas incertas da vida na carne – essa fantástica aventura para espíritos andarilhos e libertários como eu. Será apenas mais uma etapa da caminhada, eu sei: talvez aquele trecho da jornada em que simplesmente se mergulha num rigoroso inverno e se perde em meio à nevasca.
Deve ser algo como o que aconteceu com a minha escrita. Como quem não respira palavras, e prescinde delas para manter-se viva, um dia eu tapei o nariz e impedi a entrada do ar querendo acreditar que não tinha mais nada a dizer... As palavras até nasciam na minha mente, formavam frases, que se uniam e geravam pensamentos. Mas passeavam na minha memória dando voltas e voltas até desistirem por completo e saírem pelo mesmo buraco que conseguiram entrar...
Porque acreditei mesmo que ninguém as queria ler, ou que fosse bobagem o que eu queria compartilhar, fui acometida de um tremendo enfado de escrever, sabe, e já não me interessava falar pelos dedos. Perdi o interesse de manusear a caneta, o lápis, o teclado do meu notebook... e tudo o mais que servisse para grafar pensamentos, descrever sentimentos e contar as histórias que eu tanto gostava.
De repente, contar histórias virou ‘falar da vida alheia’ e estudo de caso, ‘maledicência’.  E a palavra, de repente, começou a pesar na minha balança evolutiva. Ficou cada vez mais difícil dizer alguma coisa sem parecer agressiva...
É, está sendo difícil usar as palavras por aqui...
Como para o asmático, é o excesso de palavras guardadas que tanto me sufoca. E a ausência delas também...
Paciência! Prossigamos a jornada até o fim. Se estamos no outono, o remédio é seguir em frente; se é o princípio do inverno, então vamos ajustar a capa, firmar o passo e enfrentar a nevasca com paciência e coragem até o fim.
Não há de ser nada. Não há de ser nada. Vai ficar tudo bem!
O princípio de LIBERDADE seja ainda a bandeira que nos move. Ao infinito e além!


*outono de 2020.


quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Teu tempo

(Foto: Jakeline Siqueira)


Porque a vida é maior do que o instante em que me debruço sobre a janela e vejo passar o dia, como uma nuvem que se dissolve sob o calor do verão; porque o amor transcende todos os conceitos, todas as palavras, toda e qualquer demonstração de afeto; porque a saudade, a ausência, a perda é uma dor que só sabe quem sente, pois não se explica nem se pode traduzir com frases ou gestos.... Por isso é que deito aqui o meu canto solidário, que não tem pergunta nem resposta, princípio nem fim: apenas se alonga num eterno ‘agora’ – tempo em mutação. E sofrendo a leveza de ser só, rogo aos céus para que passe logo essa tua solidão, feito mormaço bafejado pela brisa, pois sei que não deve ser fácil perder exatamente quando se julgava o jogo ganho. Por isso deixo escorrerem pelos meus dedos palavras de consolação, que podem ser guardadas, se assim preferires, para dias mais sombrios, tardes mais compridas, outras noites insones.... Toma! Embala para presente a dor que é só tua, e recicla o mimo que a vida te oferece em meio a lágrimas e dor. Renova os sentimentos, tira do alforje o velho sorriso e segue vida afora, cantarolando a sina do dia e entregando aos céus o tempo que ainda não te pertence. Toma o que é teu e segue em frente, no tempo de agora, porque é tudo o que tens por ora. Pois o futuro, este terreno impreciso, é uma tela que só será pintada, definitivamente, com as tintas e os pincéis do Criador.

@para Ana C.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Na presença do Amado



Podia ser apenas mais um desses inúmeros vídeos que as pessoas mandam aos seus grupos de amigos pelas redes sociais. Mas o que Fernando me enviou trouxe a feliz contribuição de me abrir as comportas da alma com uma única frase: “... apenas a matéria vida era tão fina”.

Isso mesmo! Era Caetano Veloso explicando que escreveu a canção “Cajuína” a partir de um encontro que teve, em Teresina – PI, com o pai de Torquato Neto, pouco tempo depois que o parceiro musical da época da Tropicália se suicidou.

Antes de representar apenas uma curiosidade a mais sobre a intimidade de um ídolo, a explicação do poeta me remeteu a outros dois vídeos que recebi esta manhã e que me estavam inquietando, convidando-me a tecer reflexões mais profundas sobre a vida e a incontestável presença de Deus em nossas vidas, quer acreditemos Nele ou não.

O primeiro mostrava a entrevista de uma criança curda, de 10 anos de idade, que fugira de sua cidade natal, Qaraqosh – principal cidade cristã do Iraque –, por causa da ação dos homens do Califado, que expulsou os seguidores de Jesus da planície de Nínive.

O segundo contava a história de uma acriana que, aos 24 anos, recém-casada, foi diagnosticada com câncer de mama e, apenas três meses depois, descobriu que estava com metástase em várias partes do corpo.

O ponto comum entre as duas jovens era a fé irrestrita em Deus e a confiança com que ambas entregavam as suas vidas, e tudo o que lhes viria pela frente, unicamente à vontade do Criador.

Se uma via a força divina atuando em seu corpo, como a apagar os rastros deixados pela doença (que parecia brincar de esconde-esconde, aparecendo e sumindo de um órgão para ressurgir em outro, logo mais na frente), a outra lembrava de casa e dos amigos que deixou com muita saudade, mas sem se revoltar contra Deus nem cultivar ódio ou desejo de vingança pelos seus agressores.

Enquanto Suviane assistia aos milagres que iam acontecendo no seu dia-a-dia, e declarava amor incondicional à vida, exalando alegria e confiança no Deus “que realiza maravilhas na vida de quem Nele crê”, a pequena Myrian falava com a segurança de um adulto sobre o perdão das ofensas e entregava a sua vida à vontade soberana de Deus: “Porque Ele é quem sabe”...

“Acredite, Deus existe!”, diz a brasileira, entre lágrimas e sorrisos, deixando uma mensagem aos que, como ela, enfrentam a sua ‘Via Crucis’ e, sem se revoltar, estão crescendo e servindo de exemplo.

Já Myrian, com seu comportamento genuinamente cristão, é a própria mensagem ao mundo, fazendo-me lembrar do que asseverou Jesus quando permitiu que se aproximassem dele as crianças trazidas pelas mães: “Em verdade vos digo: todo aquele que não receber o Reino de Deus com a mentalidade de uma criança, nele não entrará” (Mc 10, 13-16).

Ela encerrou a entrevista cantando uma canção que falava da felicidade de amar a Jesus; e de ser grato a Ele pelo amor que nos dispensa; e do amor que deve nutrir o verdadeiro cristão, crescendo dia-a-dia dentro de si.

“Uma vida nova, um dia alegre, quando eu estou com meu Amado”, cantou a menininha com os olhos dispostos no horizonte, cheia de um sentimento vivo a lhe aquecer o coração, apesar de se encontrar tão longe de casa...

Exemplos que me fizeram pensar na misericórdia incomensurável de Deus, que oportuniza o sol do seu amor a justos e injustos, no exercício ininterrupto do viver.

Quem hoje sorri egoisticamente, em meio aos prazeres e às facilidades, amanhã pode estar chorando amargamente, com chagas a lhe corroerem o corpo e se sentindo bem longe de casa. Exatamente por não terem sabido aproveitar as oportunidades que lhe foram concedidas, num tempo que ficou para trás.

Mas nunca é tarde para cantar o amor divino e reconhecer a profunda carência que temos, independente da nossa condição social, dessa luz que nos alimenta e vivifica, impulsionando-nos a caminhar sempre para o Belo e para o Bem.

Quando o homem, de fato, compreender a que se destina ‘o existir’, quem sabe, “a matéria vida” se torne mais cara e mais forte em seu íntimo, robustecendo a sua fé no exercício do amor ao próximo e criando resistência para os desafios da vida com práticas e hábitos renovados.


Só então saberemos, de fato, ser gratos ao Pai da Vida, e ao Amado enviado por ele para nos mostrar o roteiro da verdadeira felicidade, espalhando a luz do Seu Evangelho de Amor e fazendo dos nossos passos verdadeiras trilhas luminosas para tantos que venham à retaguarda.

@Texto publicado no site www.nossolar-al.org.br

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Mudando de conversa


Como bem concluiu Cícera, quando me viu distraída, quase esquecendo de deixá-la no ponto combinado da “carona”, nossa mente é ligeira e voluntariosa: “De repente, ela muda de conversa”!

Como uma antena de alta potência, a todo instante estamos bombardeando e sendo bombardeados pelo pensamento, interferindo e recebendo interferências mentais de variados estados e frequências.

Ora são lembranças que assomam do subconsciente, emergindo de um passado distante ou recente, ora velhos hábitos querendo voltar: o “Homem Velho” dos textos evangélicos insistindo por ditar as regras do ‘agora’.

Assim como inimigos de velhas “batalhas” cobrando contas que deixamos ‘em aberto’; e as ditas “amizades” convidando-nos a velhas, e equivocadas, práticas.

Também o que captamos da psicosfera* a todo instante, no entrechoque invisível de mensagens subliminares, de fora para dentro e de dentro para fora; assim como as nossas preocupações, frustrações, desejos, ilusões...

Mas também as lições edificantes da infância e o código divino inscrito em nossa consciência, alertando-nos sobre as decisões, ou atitudes, que estamos prestes a tomar; o bom combate estabelecido interiormente, colocando em ‘xeque’ o mal que ainda nos apraz; as boas sugestões dos amigos espirituais; sentimentos de fé e esperança da coletividade cristã...

Um emaranhado de pensamentos e interesses nos visitam, e são emitidos por nós a todo instante, dentro e fora dos limites do tempo e do espaço, através deste sofisticado instrumento de última geração – emissor, receptor, transmissor, repetidor, transformador e criador (tem mais?) –, chamado ‘mente’.

Quando estamos insulados na carne, atua no cérebro; desencarnados, expressa-se pelo períspirito numa mecânica tão aquém da nossa compreensão que nos limitamos a fazer conjecturas e tecer conceitos débeis e infantis para tentar explicar um pouco do grande poder da mente.

Mas de tudo isso, o que mais importa, de fato, é saber o que fazer com tanto poder dentro da gente. Esta força que tanto pode nos erguer e colocar de volta à marcha, quanto fazer despencar aos mais tenebrosos infernos.

Há que ter cuidado, então, com as potências da alma. E trazer sempre à mão as rédeas desse poderoso instrumento para que nenhuma interferência, especialmente de natureza deletéria e doentia, tenha mais poder sobre a nossa vontade do que nós outros.

Há que criar hábitos higienizadores da mente e limpá-la com frequência, com a boa leitura, a meditação e a prece, antes que pensamentos perturbadores se instalem, sorrateiros, gerando desordem e desequilíbrio em nosso psiquismo.

Porque, como alertam os amigos espirituais, o mal não consiste em sermos visitados pelas ideias más, mas em darmos guarida a elas na mente. Cultivar pensamentos salutares e conversas positivas e de conteúdo edificante são imprescindíveis para a saúde integral.

Assim como a antiga proposta do ‘conhece-te a ti mesmo’ e do exercício contínuo de ‘amar ao próximo como a si mesmo’ devem ser cultivados diariamente, como capsulas de profilaxia contra a distração e a invigilância, que nos deixam à mercê de invasões mentais ou pequenos desvarios pessoais, sobre este ou aquele assunto, que podem gerar consequências funestas.

Dirigir o carro da mente nos dias atuais, requer mais do que atenção ao condutor hábil. É preciso saber aonde vai; e sintonizar a mente nas frequências mais altas. Porque estamos num momento de muitos convites e inúmeras distrações.

*Psicosfera é um termo usado pelo Espírito André Luís, para designar um campo de emanações eletromagnéticas que envolvem o ser humano, individual e coletivamente, formando uma espécie de meio ambiente espiritual.

@Texto publicado no site www.nossolar-al.org.br

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

A rede

 
(foto: Yvette Moura)

Se não está na posse, nem na fama, tampouco se encontra na efemeridade da beleza física;
Se não está circunscrita a um grupo seleto, ou em meio a ruidosos encontros, nem restrito ao mais profundo isolamento;
Se não se pode adquirir em lojas de grife, nem na obscuridade das vendas clandestinas, ou herdar de parentes;

Se não se absorve por osmose, ou pela simples convivência com alguém, nem é objeto de escambo;

Com quantas mãos se constrói a felicidade?
Tecendo essas reflexões no dia em que meu pai completaria 92 anos (07/08), se estivesse aqui com a gente, não demoro a reconhecer que temos muito mais a agradecer do que reclamar, a cada existência.

O que somos hoje é um somatório de tantos esforços, da anulação silenciosa de tanta gente, que, se passássemos a vida listando as pessoas que, direta ou indiretamente, contribuíram para o nosso bem-estar, e tentássemos fazer algo para retribuir a sua cooperação na construção de quem somos, não faríamos mais nada.

E, provavelmente, ainda ficaríamos devendo para as próximas encarnações...

Isso sem falar naqueles que temos na conta de “malfeitores”, desafetos ou inimigos, que, a partir de cuja ação, ou passagem pela nossa vida, promovemos mudanças determinantes em nossos passos ou comportamento.

Uns foram responsáveis pela transferência da escola; outros pela mudança de emprego; outros, ainda, nos levam a mudar de endereço, de atitude, de comportamento...
E olha que eu não mencionei aqui aqueles que nortearam os nossos passos através de suas obras, compartilhando conhecimento e nos inspirando a construir o próprio caminho!

Nem citei os amigos, que nos acompanham de variadas maneiras, imbuídos do propósito divino de nos alertar, instruir, sustentar, intuir, entre outras ações benfeitoras, a fim de lograrmos êxito nas experiências terrenas.
Nem listei os que nos perseguem, arruinados e feridos por nossas ações pretéritas, reclamando vingança ou reparação.

Ao final, vamos descobrir uma rede imensa de criaturas, nos dois planos da vida, que nos levam a seguir em frente e fazer novas escolhas; algumas mais acertadas, outras nem tanto assim.
Por motivos diferentes, elas merecem o nosso respeito e, igualmente, a nossa gratidão.

Porque sei que a lista é imensa, portanto, e que eu não daria conta, em muitas encarnações, de demonstrar o meu reconhecimento a todos que, direta e indiretamente, me fizeram chegar até aqui, com alguns méritos e aquisições...
Hoje eu quero agradecer a Deus pelo pai que tive nesta existência e rogar as Suas bênçãos para este espírito que se tornou tão caro para mim, embora o curto prazo que tivemos para sanar as nossas feridas e dirimir as diferenças.

Hoje quero dizer “Obrigada”, meu pai, por teres aceitado a nobre tarefa de me acolher em tua vida, como filha, e, dentro das tuas limitações, me prover do necessário para cumprir, pelo menos, um terço do planejamento reencarnatório de espírito devedor e necessitado que trago.
Recordando as tuas lágrimas, no alto dos teus oitenta anos, ao falar de tua mãe – quando conversávamos no quintal de casa*, tarde da noite, enquanto ele aguardava chegar a água da rua para encher a cisterna e prover as necessidades da família –, hoje, eu repetiria as tuas palavras, em profundo reconhecimento a tudo que fizeste por mim, mesmo sem saber.

“Quando estava com algum problema, mesmo já adulto e com filhos, bastava ir à casa dela e ficar por ali, observando-a transitar entre os afazeres do dia, para me acalmar e seguir em frente, mais confiante e feliz”.
*Canhotinho - PE.