quarta-feira, 22 de outubro de 2008

O tesouro escondido

Perscrutar a si mesmo e aproximar-se da essência divina que traz em seu íntimo é o caminho mais seguro para aquele que ambiciona alcançar a própria liberdade...


Tarde da noite, quando todos já se recolheram e o silêncio tomou conta da casa, só agora é que me permito sentar à mesa para escrever. Além da brisa – companheira noturna –, trazendo o frescor da primavera para dentro do meu lar, apenas o latido dos cães e o som de alguns retardatários na condução de seus veículos entram pela janela. A pouco mais de um metro, me acompanha o fiel amigo, que, sonolento, apóia a cabeça sobre uma das patas enquanto me observa com olhos baços, entre um cochilo e outro.

Apesar de dedicar o dia de domingo inteiramente à família e sentir enorme prazer na companhia das minhas filhas, confesso que andava mesmo precisada desse momento de saudável solidão. Necessitava alinhavar algumas idéias que me afloravam à mente, buscar o respaldo científico-filosófico para questões que me inquietavam o espírito e pesquisar nos refolhos da alma todo o aprendizado adquirido com o Espiritismo para processar o novelo de emoções que me apertava o peito.

Com o coração ainda compungido pelos acontecimentos funestos do trágico fim de semana em Santo André, no ABC paulista – quando um “seqüestro passional”, que durou quatro dias, culminou com o assassinato de uma adolescente de 15 anos e o ferimento à bala de sua melhor amiga–, deixo os meus dedos passearem sobre o teclado do computador sem saber bem ao certo sobre o que discorrer...

Poderia falar sobre a maldade humana e o que leva um ser a usar de violência contra o seu semelhante sem sequer cogitar sobre as conseqüências disso em sua vida e na de várias pessoas que não apenas a sua vítima, mas me recordo das palavras do Cristo, que afirma que os homens da Terra são mais ignorantes do que maus...

Poderia apontar inúmeros males cometidos pelo homem quando se permite colocar acima dos direitos do outro os próprios interesses e o peso das suas frustrações, mas recordo da exortação de Jesus para que atirem a primeira pedra os que estão isentos de erro e culpabilidade...

Poderia falar sobre a revolta – que cega a razão ante a negação do outro –, e aonde pode chegar uma criatura que ainda não adquiriu o hábito do “orai e vigiai”, prescrito no Evangelho, mas recuo ante o dever da indulgência para com as faltas alheias, lembrando que a severidade deve ser, antes, aplicada a mim mesma...

Consciente da minha condição humana, falha e passível de erros (embora o esforço diário para vencer as más tendências), eu prefiro me aventurar pelo universo interior, como conclamam os sábios ao autoconhecimento: perquirir meus sentimentos por aqueles que me rodeiam para evitar surpresa e dissabores futuros, frustrações e sofrimento desnecessário...

Como estou me portando com o meu semelhante? Será que tenho devotado a ele o respeito de que é merecedor? Será que estou lhe endereçando as melhores vibrações, as ações mais fraternas, toda a ternura do meu coração? Ou será que, ao contrário, tenho me distanciado do convívio fraterno, trocado o diálogo pelo isolamento e acumulado mágoas para jogar na cara de um desafeto na primeira oportunidade?

Será que perdi o interesse pela vida após depositar em um coração leviano as minhas perspectivas de um futuro feliz? Ou será que, ao contrário, a minha ânsia de liberdade era tanta que esqueci de considerar os sentimentos alheios e desdenhei dos sonhos e apelos de quem confiou a mim a própria felicidade?

Diz o Bhagavad Gita que aquele que possui domínio sobre o seu mundo interno de desejos pessoais, e está focalizado em seu “eu supremo”, é um liberto. Já o “desatento”, como barco à deriva, perde todas as referências ante a adversidade. Parece-me, então, que perscrutar a si mesmo e aproximar-se da essência divina que traz em seu íntimo é o caminho mais seguro para aquele que ambiciona alcançar a própria liberdade...

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