quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

O calor, a brisa e a cabeça nas nuvens

Nesses dias de calor, às vezes me dá uma quentura na nuca tão danada que coisa nenhuma consegue aliviar. E eu, que não tenho terraço em casa, nem mirante, nem sequer uma varanda acanhada, ou qualquer coisa que o valha, não sossego a alma afoguentada enquanto não abro a porta da sala – às vezes, tarde da noite – e me balanço na rede, descansada, dando as costas, literalmente, para as carícias da brisa.

Só assim é que eu me assossego um pouco e chego até a cochilar, pois não há quem me tire da cabeça que o sopro de vento, que chega corrido lá de fora, é o mesmo que atravessa os jardins do oriente, rodopia pelos oceanos, assovia nas montanhas geladas, assoprando feito um condenado, até chegar aqui – fresquinho, fresquinho –, à beira da minha sacada improvisada.

E eu, que não sinto inveja de ninguém – nem dos ricos nem dos pobres, dos comandantes ou dos comandados, dos andarilhos nem dos assentados, dos libertinos ou dos castos, das moçoilas nem dos rapazes... –, experimento uma gotinha desse veneno infame por não poder dormitar nos braços da minha rede, sentindo a liberdade da noite, como os que têm varanda.

É aí que o escuro da noite dá asas à minha, já tão fértil, imaginação. Cabeça recostada no espaldar da rede, pés estendidos lado a lado, braços abertos em cruz, desenho no céu estrelado – qual lousa das mil e uma possibilidades – um jardim enorme com árvores frondosas e frutíferas, um caramanchão florido e um balanço de cordas bem compridas, no qual me aventuro incansável: cabeça jogada para trás, corpo relaxado, pernas esticadas empurrando o vazio, brinco com a brisa sem a preocupação com as horas e vivo a fantasia de uma infância sem fim...

E, logo, a minha cabeça fica zonza de tanto oxigênio: uma alegria plena toma conta de mim. Igual ao que sentia nas tardes de domingo, lá em Olinda, no início da década de 80, quando retornava do banho de mar matinal, almoçava por volta da uma da tarde e deitava sobre o pára-peito da varanda para olhar o mar. Prazer que durava pouco, é claro, porque Ana – mais velha, mais medrosa e também mais sensata do que eu –, se punha a gritar e a chamar por mamãe até que eu desistia daquela pequena transgressão à Lei da Gravidade e colocava os pés de volta ao chão; apenas me contentando em sentir a brisa acariciar os meus cabelos enquanto mantinha os olhos debruçados sobre o horizonte aquoso ao longe.

Mais tarde, o calendário já batendo às portas da década de 90 – quando morávamos em um arranha-céu no bairro do Espinheiro e Ana já estava casada –, eu continuei cometendo essas “pequenas transgressões” para poder me sentir um pouco mais próxima da Criação divina.

Quando chegava em casa tarde, vinda dos ensaios do teatro ou, posteriormente, das atividades na Casa Espírita, costumava estender um colchonete no chão do espaçoso terraço e ficar deitada ali durante horas olhando o céu – silencioso, mas profundamente eloqüente, com seus inúmeros sinais luminosos.

Acho que foi nessa época que eu estudei as fases da lua e aprendi a reconhecer nas estrelas as constelações de Escorpião, Órion e Cassiopeia, entre outras. Também deve ter sido nesse singelo prazer a que me permitia, que eu descobri a intangível poesia de Deus nas expressões mais discretas do Universo, como a lua nova.

Ainda hoje esse fio tênue de luz branco-azulada, depois de alguns poucos dias de completa ausência lunar no céu, tem o poder de enternecer a minha alma de uma maneira tão especial que eu acredito escutar o próprio Criador declamando ao pé do meu ouvido um poema Seu. Porque, como diz o salmo recebido esta manhã, “um dia faz declaração a outro dia, e uma noite mostra sabedoria a outra noite. Não há linguagem nem fala onde não se ouça a Sua voz” (Sl 19.2-3).

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