terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Universal

Uma tinha o sorriso largo, como uma recepcionista à porta de um hotel de luxo. Cabelos curtos acompanhando a brancura da tez, os olhos eram de um brilho tão intenso quanto o azul que pintava o céu. Mas ela não se abria para qualquer um: precisava sentir o desejo de conhecer e ser conhecida. Só então estabelecia um diálogo, cheio de delicadeza e afabilidades...

A outra trazia o semblante fechado. Meio carrancuda, às vezes, chegava a parecer grosseira: as palavras atropelando a fala do seu interlocutor, estabelecendo limites em lugar das gentilezas. Mas era mais por fadiga e enfado que o fazia, pois levava uma vida de sacrifícios, tendo que acordar bem cedo para pegar no batente e passar horas à fio à beira do fogo para ganhar o pão. O semblante contraído sob a pele escura, escondia o sorriso franco, que reservava para poucos; assim como os cabelos, ocultos pelo lenço.

A primeira curtia as férias de inverno em pleno verão nordestino, acompanhada do marido. Para ela tudo era festa, tudo era carnaval; e até uma parada para o xixi poderia ser uma excelente oportunidade para fazer intercâmbio, conhecer novas culturas e trocar experiências com pessoas diferentes...

A segunda trabalhava pesado desde as primeiras horas do dia, na cozinha de um hotel, exatamente no carnaval. Se tinha marido, por certo ganhava muito pouco e era um homem econômico tanto nas palavras quanto no carinho. Para ela, a festa de Momo era sinônimo de trabalho dobrado, e falar com os hospedes poderia ser o início de um mal entendido que só acabava mesmo quando colocava no prato as omeletes e as tapiocas, que tanto os agradava.

A de lá cozinhava palavras no calor do coração e compunha pequenas histórias familiares, que colecionava em cadernos para presentear os filhos e os netos à medida que fossem atingindo a maioridade. Falava com entusiasmo sobre a neve e os invernos rigorosos da sua terra nesta época do ano, onde deixou os quatro filhos e quatro netos para vir conhecer, numa excursão da terceira idade, o carnaval pernambucano.

A de cá, para quem a neve não era mais do que um sonho distante (se é que sonhava com invernos gelados), gastava as horas concentrada no ofício, os olhos dispostos sobre a chapa quente e as mãos ligeiras a manipular com destreza a goma, o coco e a mistura que colocava nos ovos. Operosa, as palavras, para ela, pareciam dardos pontiagudos, que tanto atacavam quanto protegiam. E eu a conheci no litoral sul da Paraíba, em pleno feriado momesco...

Nosso primeiro contato foi difícil: jogou-me na cara palavras ásperas, como a dizer que esperasse a minha vez de pedir o desjejum. Silenciei, contrafeita, tentando digerir o que ficou entalado na minha garganta, mas foi exatamente ali que eu enxerguei aquela mulher – uma paraibana de trato rude, mas que tinha verdadeiras mãos de fada. No outro dia, resolvi fazer diferente e esperei na fila até ela me olhar nos olhos e perguntar o que eu queria. Quando lhe falei que todos estavam adorando a omelete que ela fazia, Maria me mostrou o seu belo sorriso.

A outra, eu encontrei na fila do banheiro de um restaurante de beira de estrada, em Itapissuma, já no caminho de volta para Pernambuco. Depois de quase duas horas de congestionamento, nas obras de duplicação da BR-101, eu mal cabia em mim de contentamento por poder esticar as pernas e esvaziar os litros de água que vinha ingerindo na viagem. Enquanto não chegava a nossa vez, resolvi arranhar o inglês com a mulher do lado – uma holandesa de tratos finos, que trocou o inverno europeu pelo calor humano do brasileiro.

Ao ouvir que eu também colecionava estórias como ela, Maria quis saber: - Vai escrever sobre mim? E nos despedimos num caloroso abraço, fazendo do sorriso sincero a linguagem universal das Marias.

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