terça-feira, 27 de março de 2007

Divagações sobre alívios, leituras e velhas canções

Estava na 27ª linha da crônica do Luís FernandoVeríssimo, quando escutei a porta ao lado abrir e começarem os sons característicos de quem procura o obscuro “quartinho” para fazer suas necessidades fisiológicas. Fiquei inibida. Porque não há nada mais constrangedor do que estar em pleno processo de aliviamento matinal – enquanto, unindo o útil ao agradável, se lê um daqueles deliciosos textos, absolutamente indispensáveis, do escritor gaúcho – e perceber que outra pessoa vem lhe compartilhar o espaço.

Não que eu seja pudica ou veja algum problema em fazer necessidades “na rua”, mas é que o banheiro de que falo, apesar de dividido por paredes, tem o teto comum. Explico: em se tratando de um prédio antigo, a estrutura do lugar tem o pé direito alto, logo, a parede que separa o lado feminino do masculino, não passa de uma meia parede, deixando um espaço aberto no alto, por onde podem passar sons e odores.

Fico constrangida, confesso, de ser pega tão à vontade em minha leitura matinal por um colega de trabalho, principalmente do sexo oposto. Como encarar o companheiro depois ao constatar que o brilho malicioso em seus olhos denunciam, impiedosamente, a surpresa: Era você!?

Outra coisa que não me parece muito apropriado é estar lá, no apertado refúgio (até que esse é bastante espaçoso), e ter que acompanhar a intimidade alheia involuntariamente. Primeiro a porta se abrindo, depois o zíper da calça, e a tampa do vaso sendo levantada, até que o inevitável som de urina desenhando um arco no ar e se atritando com o líquido já existente na louça chegue sem pudor aos ouvidos.

Fico envergonhada só de pensar no constrangimento do colega que saberá, com certeza, ao abrirmos a porta na mesma hora, que estive escutando suas ações mais íntimas. Ou o que me parece pior ainda: nos olharmos com cumplicidade e sem a menor estranheza, como se dali por diante fossemos íntimos.

Por essas e outras, quando coincidências assim acontecem, eu prefiro prolongar um pouco mais o tempo da leitura, mesmo que já a tenha acabado, para evitar o comprometedor encontro e o seu possível desfecho.

Já que não dá para evitar, uma vez que se trata de uma necessidade básica do ser humano , o melhor mesmo é encarar essas situações com naturalidade. Ou então, deixar para só fazer em casa o que acha difícil fazer na rua...

Mas isso, dizem os médicos, não é aconselhável, pois pode provocar um problema sério, como uma cistite. Foi o que aconteceu com uma amiga minha, que programava o horário das visitas ao banheiro para antes e depois das oito horas de trabalho diário. Imagino que tenha sido uma experiência bem dolorosa.

No entanto, quando o ambiente conta com uma divisória completa, como no caso do meu outro local de trabalho (uma construção mais moderna), os colegas podem até me ouvir cantar...

A acústica dos banheiros é sempre muito boa para soltar a voz.

Outro dia, ao abrir a porta ainda cantarolando uma canção antiga, fui abordada por Aílton, que tomava água no hall quando eu saí do banheiro. O colega esboçou um sorrisinho lateral e soltou a famosa pergunta: Era você? Sem saber exatamente em que tinha sido flagrada perguntei, meio sem jeito: Eu o que?

- A pessoa que cantava essa música no banheiro?
- Eu estava aqui esperando para ver quem era a dona da voz que me trouxe tão doces recordações da adolescência...

Sorri com o comentário inusitado e, duplamente aliviada, disse que sim, com um menear de cabeça. Depois voltei à mesa de trabalho, enquanto ele ficou por ali, pensativo, assoviando a velha canção.

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