quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

O mesmo conto natalino

(foto: Yvette Moura)

A sala arrumada (com mil e um detalhes nas cores vermelho e verde), desde cedo Maria ornara a casa para a ceia natalina, quando reuniria toda a sua família em torno da mesa, além de alguns convidados, que, logo em seguida, formariam um grande grupo ao redor da árvore de dois metros para a troca de presentes.

À hora marcada, diversos cheiros enchiam a casa, e conversas variadas dividiam, em grupos, os integrantes da festa: os homens falavam sobre futebol e trabalho, entre uma golada e outra de cerveja e whisky; impecáveis em seus figurinos, as mulheres trocavam receitas e dicas culinárias, entremeadas por reclamações sobre os filhos e os maridos; e os jovens dançavam, seguindo o ritmo da moda, enquanto as crianças corriam pela casa numa brincadeira sem fim.

Mesa de frios, Arroz com nozes e passas, salpicão de frango, presunto de Natal, tender, peru recheado, farofa especial, frutas secas, rabanadas, pudim de leite, compotas, vinhos de várias safras, sucos e refrigerantes de sabores diversos, a mesa farta atendia ao gosto de todos os presentes, que podiam repetir o prato quantas vezes quisessem, dada à grande quantidade de comida preparada para aquela festa.

Estômagos satisfeitos (alguns além da medida), depois da ceia, um a um, os convivas foram se dirigindo para a grande sala onde estava a árvore enfeitada. Sentaram-se em círculo e foram se preparando, cada um ao seu modo, para o amigo-secreto.

As crianças, é claro, que haviam enviado cartinhas ao “Bom Velhinho”, receberam a confirmação das mães sobre a chegada dos presentes, via correios, direto do Pólo Norte. Nos últimos anos, a família preferira adotar esse sistema de entrega, “sugerido pelo próprio Papai Noel”, já que, “segundo ele”, os pedidos haviam aumentado muito e a sua visita poderia acarretar em um atraso de dias.

Para evitar isso, pais e filhos concordaram em festejar o Natal sem a presença do “dono da festa”. Além do mais, as crianças estavam gostando de ganhar os seus presentes na noite da véspera, ao invés da manhã do dia 25. Assim, podiam dormir mais tarde e acordar perto da hora do almoço, emendando um banquete no outro. Madrugar, pra quê?

Noite alta, o relógio marcava um quarto para zero hora quando alguém bateu à porta sem que nenhum dos presentes parecesse escutar. Em poucos instantes, uma serviçal adentrou à sala, demonstrando profundo cansaço, e chamou a dona da casa para lhe informar que um homem se encontrava à porta, pedindo guarida para a sua esposa.

- Diga-lhe que estamos em festa e não podemos abrigar ninguém – respondeu a dama, sem dar muita atenção ao caso.

- Mas, senhora, a sua mulher está grávida e, segundo ele, pela longa viagem que empreenderam, a criança não demora a nascer – insistiu a empregada, sensibilizada com a situação do casal.

- Ora, essa! E a minha casa agora é maternidade? Além do mais, hoje é véspera de Natal e eu não vou interromper a minha festa para alojar uma estranha que está prestes a parir. Dê-lhe um prato de comida e mande-o embora!

Encabulada, demonstrando ainda mais cansaço e desolação, a mulher – que trabalhava naquela residência há mais de dez anos, mas ainda não se acostumara com a indiferença dos seus patrões – abriu a porta, ofereceu as sobras da ceia ao homem e pediu que ele procurasse outro lugar.

Não muito longe dali, nas primeiras horas daquele dia, uma mulher e uma criança morriam à míngua, entre os animais de uma estrebaria. Enquanto isso, canções natalinas ainda eram entoadas na maioria das residências vizinhas...

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Trocando o efeito pela causa, os homens de hoje comemoram o nascimento do Cristo rendendo honras ao Papai Noel. E eu me pergunto: Se chegasse à Terra neste 25, Jesus encontraria um teto para lhe abrigar?

Um comentário:

maybe disse...

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