quinta-feira, 5 de abril de 2007

Ausência

Maria hoje amanheceu sem voz. A fala presa em algum canto do corpo: escondida. Quem sabe nos pés brincantes, guardando tudo o que podia ser dito pela boca; tudo que trazia latente. Quem sabe nas mãos trelosas, descobrindo segredos alheios, sem muitos pudores, sem rodeios. Quem sabe no canto dos olhos tristes, que caem quase sempre, inexplicavelmente. Quem sabe no sorriso ausente...

Maria acordou sem eco; sem som; sem algo sonoro que a identifique. Sem uma nota qualquer que indique que está pensando em algo; que escreve sentimentos, enquanto inventa histórias viscerais; enquanto assume o papel da protagonista...

Maria afônica; atônita; aflita, embora os sinos badalem na sua cabeça. Maria mouca de seus próprios sons. Oca de identidade...

Maria reticente, então! Com meias palavras e meio entendimento. Maria pela metade então: Aflita; atônita; afônica. Ninguém que lhe compreenda totalmente. Ninguém!

Pobre Maria! Demente, feito cego para quem se grita, no meio da rua, apenas por pensar que por que não enxerga também não escuta direito...

Ah, Maria! Se eu soubesse que seria assim esse teu dia... Se adivinhasse sequer que estarias de alguma forma ausente... Teria aproveitado mais, no dia anterior, a tua alegria, os risos que deste, a tua voz sonora... As palavras que disseste, meu displicente.

Ah, Maria! Que pena que falas tão pouco hoje. Se ao menos eu soubesse o quanto te queria feliz: falante, alegre, inteira... Se ao menos eu soubesse de verdade... Talvez eu tivesse cuidado mais de ti. Talvez, Maria, talvez.

Mas agora que estás assim: silenciosa. Anseio por ouvir tua voz. Solicito tuas palavras. Desejo-as, inutilmente.

Agora que te fechaste dentro de ti mesma e que, talvez, até desconheças a minha ansiedade, eu te espero aqui fora. Quero que saibas disso! Esperarei que passe o tempo, pacientemente, até que tudo se restabeleça; que volte ao lugar de início. E que a tua voz possa ser ouvida novamente - pressentida que seja! - para que voltes a sorrir a tua risada sonora. Para que te sintas completa novamente. E eu também.

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