terça-feira, 2 de outubro de 2007

Dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço

Estávamos esperando o prefeito chegar para a assinatura de mais uma ordem de serviço em uma grota do Jacintinho quando escutei o inusitado pedido: “Vet, faz uma crônica sobre mim!” Diante do meu olhar de surpresa, o amigo foi logo tratando de se explicar:

- “Não precisa publicar, não. Eu só quero saber o que tu pensa sobre mim. Escreve, vai!”

E eu achei de uma espontaneidade tão grande aquele pedido, assim no meio do nada, que prometi atendê-lo quando tivesse um tempinho.

E fiquei por ali, pensativa, imaginando o que poderia falar sobre esse colega que tem hábitos tão diferentes dos meus, mas com uma particularidade que nos aproxima e desperta em nós um carinho mútuo: somos conterrâneos.

Romildo é o que eu chamaria de “um homem do mundo”. Com quase dois metros de altura (já foi campeão pernambucano de voleibol) e massa muscular correspondente, tem uma constituição física que não o deixa passar despercebido. Além do mais, é afeito aos chamados “prazeres da carne”.

Fuma ocasionalmente, adora uma boa comida e não perde a oportunidade de se reunir com os amigos para um chopinho. Sempre que pode, marca presença nas reuniões sociais do conjunto residencial onde mora, momento em que aproveita para soltar a voz e dedilhar o seu violão – instrumento que toca com desenvoltura. Além da esposa e das duas filhas, a música é sua grande paixão.

É um profissional de mão cheia. Dedicado, o cinegrafista gosta do que faz e procura desempenhar tão bem o seu trabalho que, às vezes, sem perceber, passa na frente dos outros colegas para captar a melhor imagem, causando certo desagrado no meio.

Ele fica tão compenetrado quando está filmando que não enxerga nada mais ao seu redor...

E estava assim, traçando já na mente as linhas gerais da crônica que escreveria, quando, talvez por achar que eu não tivesse entendido bem a proposta ou não estivesse disposta a aceitá-la, Romildo deu continuidade à conversa, invertendo os papéis:

- “Se eu fosse falar sobre tu – disse em bom “pernambucanês” – eu diria que te acho uma pessoa dez”.

Falou quebrando o silêncio e chamando a atenção dos outros ocupantes do carro que formavam conosco a equipe de reportagem daquela manhã.

- “Só tem uma coisa que eu não gosto em tu, Vet!” Exclamou, para minha surpresa:

- “Toda vez que eu estou no meio de uma filmagem (nessas coberturas), tu acaba vindo pro meu lado. Quando eu percebo alguém forçando o meu braço, como se quisesse estar no lugar em que eu estou, olho pro lado e lá está tu me empurrando. Ah, eu fico danado! Mas aí respiro fundo e digo pra mim mesmo: Pôxa, Vet perdeu aquela aula de física...”

Surpresa com a declaração do colega, e também curiosa quanto à sua última frase, insisto para encorajá-lo a ir até o fim com a inesperada lavagem de roupa suja:

- Que aula de física?

- “Aquela que ensina que dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço!” Diz com ar de riso.

Olhei-o nos olhos, espantada, e perguntei para me convencer:

- “E eu faço isso?”

Ele confirmou, meneando positivamente a cabeça, após um breve instante em que o silêncio tomou conta do carro (todos aguardando a sua resposta).

Então eu caí na gargalhada, achando a maior graça naquilo tudo. Mas, como os outros concordaram com ele, tentei justificar o tal gesto inconsciente, dizendo que agia assim porque ele era grande demais e sempre ficava na minha frente... Em vão.

No entanto, só agora, recordando o ocorrido, é que compreendo o comentário feito, certa vez, pelo administrador municipal (para quem trabalhamos no período da manhã): ao me ver correndo à sua frente para pegar o melhor ângulo, em uma dessas coberturas, o prefeito sorriu e disse:

- “Você me lembra o Romildo: não perde um lance!”

Ah, bom. Então está explicado!

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