A lua não escolhe os apaixonados;
eles é que desenvolvem a capacidade
de conversar com Deus através dela.
A lua abriu os olhos e, palmo a palmo, foi ganhando o céu. Vendo aquilo, coloquei uma cadeira a poucos metros das plácidas águas do açude do antigo engenho Mangue, que ficava na frente da casa de meu pai, e sentei para assistir ao espetáculo celeste. Silenciosas, as águas também reverenciavam a lua, refletindo, num imenso rastro dourado, toda a beleza do luminoso desfile.
Era laranja o olho que se erguia do fundo negro salpicado de estrelas, e eu fiquei extasiada com tanta beleza, mas algo em meu íntimo dizia para aproveitar bem o momento porque aquele seria um dos últimos espetáculos da natureza que eu iria presenciar ali.
De fato, a cena não se repetiu uma segunda vez. Não demorou muito, e as mudanças começaram a acontecer. Primeiro veio a doença de meu pai, que o forçou a voltar para a cidade e, mais tarde, o aprisionou a um leito de hospital. Depois, com a sua morte, meus irmãos, que nada enxergaram além do presente, articularam sem demora a venda da tão querida propriedade.
Mas, naquela noite, assim que avistei a lua engatinhando pelo céu, deixei tudo que estava fazendo para me aninhar à beira das águas mansas que crescem durante o inverno, engolindo a vegetação em torno. A escuridão da noite, a sombra das árvores, o canto dos grilos, o coaxar dos sapos, tudo compunha o cenário encantado daquele espetáculo. E eu me sentia como se tivesse adentrando aos pórticos celestes. Apesar da minha pequenez diante de tanta grandeza, sentia-me profundamente integrada à misteriosa dinâmica da Criação.
Aliás, tudo me remetia a Deus naquele instante. Então, não havia outra coisa a fazer a não ser orar, digo, dialogar com o Pai, já que fora Ele o primeiro a iniciar aquela conversa.
Comecei a falar da minha satisfação por estar ali, presenciando aquele momento único. Agradeci-Lhe pelo usufruto daquele lugar e por todo o bem que ele estava nos proporcionando, a mim e à minha família. Percebi pelas estrelas que, a cada palavra minha, Deus abria um largo sorriso e repetia que tudo havia sido carinhosamente preparado para alegrar o meu coração. Ele queria me ver feliz e não media esforços para isso.
“Tolo! Pensei. Não precisava tanto. Bastava que me permitisse sentir mais vezes a Sua presença paternal e ter a certeza de que zelava por mim”. Mas não lhe disse nada porque lembrei que nem sempre era assim...
Também tinha os meus caprichos, meus arroubos de personalismo e o desânimo e os interesses mundanos, que, muitas vezes, falavam mais alto dentro de mim (me distanciando de uma felicidade perene). Mas, diante de Deus, quem deseja mais do que ser acolhido? Quem se lembra de antes ou depois? Foi o que aconteceu comigo: senti-me a mais amada das criaturas; a escolhida.
Mas também senti o peso da responsabilidade...
Dentro de mim, um questionamento se fez: “Será que mereço tudo isso?” Foi quando compreendi que não existe uma seleção de cima para baixo. Nós é que nos candidatamos à vaga do filho pródigo. Basta que nos capacitemos através de novos sentimentos, escolhas e ações. Então, dei-me conta de que as perguntas que deveria me fazer constantemente eram: “O que fazer para sentir-me integrada à alma da natureza? Como ser convidada a participar de seus banquetes?”
A resposta me veio clara pelas fibras do coração: cuida bem de tudo que te é dado de graça para que possas sempre, de graça, receber.
Assim tem sido comigo. É tão intenso o amor que nutro pela natureza que, mesmo não usufruindo mais das benesses daquelas serras, a vida tem me reservado manhãs, fins de tarde e anoiteceres inesquecíveis como aquele. O que significa dizer que a lua não escolhe os apaixonados; eles é que desenvolvem a capacidade de conversar com Deus através dela.
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