terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Doce Dezembro

E da pureza do teu sentimento, dos sonhos que não vivestes,
mas que te negastes a esquecer, o que foi feito?


Peço licença ao leitor mais impaciente e o convido a parar um pouco o que está fazendo para realizar comigo um breve passeio no tempo, como se folheasse um livro que ganhou de presente. Porque começamos o mês que nos propicia o arremate de tudo o que deixamos por alinhavar...

Escrevo como quem escreve um conto de fadas; um texto cheio de significados, imagens e símbolos; uma história de amor. Mas o relato que faço aqui, em linguagem contemporânea, aconteceu de verdade e ficou guardado em um lugar encantado da minha memória, escorrendo pelas frestas de uma lembrança que aos poucos se esvai nas linhas empoeiradas de um tempo que passou sem nunca ter me deixado propriamente.

Escrevo como se falasse a uma amiga querida e lhe confessasse a enorme desventura de não ter conhecido, como ela, o amor dos contos de fada. É a ela que me dirijo, portanto, se me permite o leitor, e com pesar debulhado entre os dedos e uma pena tão grande quanto as de um pavão admito: eu não sei falar sobre os teus sonhos pueris nem descrever o vestido de cambraia branca, feito para o teu dia mais feliz, que nem chegaste a usar. Não sei contar as batidas de um coração adolescente, cheio de inocência e desejo de se tornar mulher.

“O príncipe encantado não existe!”. Foi o que te repetiram como um sino ressoando a morte, tanto que criaste vergonha e medo de sonhar outros sonhos tão belos quanto este. Mas tu sabias da verdade, conhecias a delicadeza e o amor profundo dos amantes. Sabias sobre os encontros marcados, os pactos firmados com luas e cravos brancos que a vida te roubou. Tu conhecias a suavidade da cambraia branca sobre a tua pele de menina, mesmo que não a tenhas vestido...

A ti eu confesso que não conheci a urgência de um aceno dado às pressas nem a solidão de um sorriso que não se abriu. Só tu sabes a dor das despedidas, a saudade reprimida, o peso das ausências. Tu conheces os detalhes de uma simples fruteira, talhada por encomenda, para ornar o lar, que não chegaste a possuir. Sobre o guarda-roupa verde, desenhado em seis portas, para guardar as vestes da princesa... Tu sabes muito bem.

Em que dobra do tempo ficaram as datas que marcaste no destino, que não se cumpriu? O que foi feito do amor que sobrou em ti e ninguém nunca mais viu? E da pureza do teu sentimento, dos sonhos que não vivestes, mas que te negastes a esquecer, o que foi feito?

Ah, ninguém mais do que tu sabe dos sorrisos que brotam na face quando braços infantes se abrem, como flor, em nossa direção. Dos olhos encantados de um filho diante do inusitado da vida, tu sabes muito bem. Das noites veladas em nome do amor maior, conheces como ninguém.

Apesar do que foi suprimido, de tudo que não foi vivido, do que arrancaram de ti, renasceste, como a Phoenix, quando te tornaste mãe. Das cinzas do sonho perdido, das lembranças do amor sofrido, dos desejos que foram contidos, do sentimento infantil, que não deixaste envelhecer, sobreviveste.

Percebo, no entanto, eu que acordo o passado dando cor às palavras, que a mulher ainda sonha com o amor adolescente, como se tivesse sido ontem o seu primeiro encontro, o primeiro beijo que deu. Por isso, carrega hoje o olhar perdido lá atrás, como se o futuro fosse ainda aquela data marcada pela promessa que não se cumpriu: quando usaria o vestido de cambraia branca, ornaria os cabelos com um diadema de flores do campo e responderia o tão sonhado “Sim”...

Agora, tudo o que eu sei dou fé e deixo aqui registrado, como um documento, onde cultivo as memórias vivas que foram plantadas no solo das minhas mãos com extrema confiança. A despeito do terreno inóspito, concretizo o teu tolo desejo de eternizar aquele dezembro, que já não é passado, mas presente, e pode descansar em paz a partir de hoje, enfim.

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