quarta-feira, 27 de agosto de 2008

O estranho dia de Maria

Esperarei que passe o tempo pacientemente, até que tudo se restabeleça e cada coisa volte ao seu lugar devido, como no princípio.

Maria hoje amanheceu sem voz, desde as primeiras horas. A fala parecia estar presa em algum canto do corpo que não era a boca. Estava guardada, a travessa, provavelmente. Brincando de esconde-esconde em algum lugar secreto, com certeza.

Talvez, quem sabe, dançasse na ponta dos pés brincantes da jovem pernambucana – metidos a pontear o frevo e o maracatu de Baque Virado. Guardando, quem sabe, no imprensado dos dedos mindinhos, tudo o que podia ser lançado boca afora, gritado aos quatro ventos a plenos pulmões.

Ou, quem sabe, esquecera-se da vida brincando nas mãos trelosas, a voz da moça; e se distraíra seguindo a linha da vida, que contorna o polegar, ou, ainda, descobrindo os segredos alheios a cada cumprimento, sem muitos pudores ou maiores arrodeios.

Quem sabe, até, tenha escorrido sorrateira pelo canto dos olhos profundos e tristes da pobre Maria, que caem, quase sempre, alternando soluços e sorrisos.

O fato é que hoje Maria acordou sem som, sem eco ou qualquer sinal sonoro que lhe identifique a presença. Qualquer coisa que indique estar pensando em algo, por mais tolo que seja.

Nada que revele os seus sentimentos no momento em que escreve histórias viscerais e assume o papel do protagonista...

Maria afônica, coitada; atônita e aflita com essa novidade. Embora badalem os sinos e as idéias pululem a todo instante na sua cabeça, Maria está mouca para os seus próprios sons: oca de identidade.

Pobre Maria, toda reticente!... Comunicando-se apenas por meias palavras e parco entendimento. Maria pela metade, então, já na metade do dia.

Ah, Maria! Se eu soubesse que seria assim o dia de hoje... Se adivinhasse que ficarias o tempo todo ausente... Teria aproveitado mais o dia anterior, explorado um pouco mais a alegria de ontem: os risos que me deste, a sonoridade das palavras que disseste meio displicente... A tua gargalhada...

Ah, Maria, se ao menos eu soubesse o quanto te queria feliz: falante, alegre, inteira... Se pelo menos pudesse prever o futuro uma única vez e tivesse ciência de todas as coisas... Talvez tivesse cuidado um pouco mais de ti, querida. Talvez...

Mas agora, que estás assim, tão distante, tão silenciosa, adormecida, tudo o que desejo é ouvir a tua voz. Anseio loucamente pelas tuas palavras. Solicito-as inutilmente.

Agora, que te fechaste dentro de ti mesma e que talvez desconheças a minha ansiedade, eu te aguardo aqui fora, mas quero que saibas disso: esperarei que passe o tempo pacientemente, até que tudo se restabeleça e cada coisa volte ao seu lugar devido, como no princípio.

Tomara que essa noite passe num abrir e fechar de olhos e que a manhã te traga de volta para mim... Mesmo que a voz esteja um tanto dissonante ainda, volta, Maria, para que eu te sinta presente, mais uma vez, e tu fiques completa novamente. E eu também.

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