quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Conto de Natal (ou Canção do Mar)

Olhando pela vidraça, vendo a neve pintar de branco o escuro da rua, é que me vem à lembrança, de repente, coisas muito importantes que eu esqueci de fazer...

Esqueci de falar que ainda sonho contigo e que acordo no meio da noite sentindo a tua cabeça sobre o meu peito. Esqueci de dizer que ainda guardo o teu lado na cama, como se o teu corpo se quedasse ali, momentaneamente adormecido, e pudesse, a qualquer momento, me puxar para junto de si.

Esqueci de dizer que ainda durmo tarde te esperando chegar, no meio da noite, como quem chega atrasado a um importante compromisso. Esqueci de dizer que o almoço ainda é a minha refeição principal e que o meu coração dispara sempre, quando batem à porta do vizinho, porque, por um instante, penso que tu resolveste voltar para me acompanhar à mesa...

Esqueci de dizer que eu ainda me estendo no sofá da sala, em manhãs de domingo, e me esqueço das horas escutando Dulce Pontes e a sua Canção do Mar. Contar que isso me traz uma velha saudade, um antigo incômodo: uma nostalgia que me fazia, quase sempre, desejar (não sei bem porque) ficar bem longe de ti...

Não sei se era medo de que te fosses embora, de verdade, ou se contido desejo de me libertar, por isso, nunca o verbalizei. Mas era um sentimento estranho – uma mágoa ou despeito – que nos apartava um do outro definitivamente.

Eu já te disse que não tenho mágoa de ti? Então! Também esqueci das coisas ruins que nos aconteceram: esqueci dos teus erros (mesmo os mais grosseiros e premeditados!); esqueci das traições, das mentiras, das promessas que me fizeste e nunca chegaste a cumprir...

Esqueci da tua ausência (sempre tão presente!) nos momentos mais importantes da minha vida. Esqueci que te esquecias de tudo, lembra? Até das coisas mais simples, como a data do meu aniversário ou usar a primeira pessoa do plural para se referir a ti e a mim...

Mas eu não posso te julgar, eu sei. Porque também esqueci de fazer muitas coisas por nós também. Esqueci de te contar (já te disse?) o quanto gostava de conversar contigo antes de dormir... Deitávamos lado a lado – os meus dedos brincando com a tua orelha, enquanto descansavas a cabeça sobre o meu peito – e falávamos sobre tudo, embora muitas vezes nos esquecêssemos de conversar sobre nós mesmos em momentos assim.

Ah, esqueci de te dizer (quantas vezes!) que sonhava envelhecer contigo e recebermos, juntos, a visita dominical dos nossos filhos na casa com varanda que ainda iríamos adquirir (quantos seriam?). E eu acharia graça do teu jeito emotivo – chorando por tudo – ao vermos nascerem os nossos netos e os netos dos nossos filhos...

Seria lindo acompanhar, contigo, as primeiras passadas dos pequeninos, as suas primeiras palavras e a primeira vez que se dirigissem a nós, como vovô e vovó...

Esqueci de fazer tanta coisa, querido, como pontuar os nossos momentos mais felizes! Deixei de falar sobre as coisas mais bonitas que me levaram a ti e sobre o que me fazia te admirar de verdade. Guardei pequenos comentários – tão importantes! – dentro de mim. Esqueci de dizer-te, por exemplo, o quanto era gostoso te ver caminhando em minha direção, ao voltar de viagem, e te receber de braços abertos como uma criança confiante e feliz.

Eu pulava em teus braços, abraçava o teu tronco com as minhas pernas e comemorávamos com sorrisos a alegria do reencontro. E dávamos voltas e voltas, abraçados, numa felicidade sem fim...
Ah, que desencontro infeliz! Quanto desencanto! Partiste sem sequer olhar para trás: abriste a porta como quem vai ver o movimento da rua e eu nunca mais te vi voltando pra mim... E te foste numa manhã de domingo sem que eu percebesse.

Ah! Também esqueci de afirmar que eu te queria, sim, bem juntinho de mim.

Nenhum comentário: