terça-feira, 3 de março de 2009

Ainda há um jeito de ser bom de novo!

“Por você, faria isso mil vezes!” Deixou escapar por entre os dentes enquanto saía desabalado, correndo atrás da pipa azul que rodopiava desgovernada pelos ares depois do golpe certeiro... Fechei os olhos e fiquei imaginando a cena, à medida que aquelas palavras davam voltas e voltas em minha mente e as lágrimas escorriam lenta e silenciosamente pela minha face.

Guardei o livro [cujo nome prefiro omitir para não estragar a surpresa dos futuros leitores] e fui cuidar da vida, refletindo sobre as oportunidades ímpares, que a todos nós são consentidas, de “fazer diferente”: começar de novo do ponto em que paramos ou escrever uma nova história em algum outro momento da existência.

O romance de Khaled Hosseini fala de amizade e lealdade, medo e traição, e ilustra bem os descaminhos vividos por quem descobre, anos mais tarde, que a consciência só se queda em paz quando nos permitimos encarar a verdade de frente e rabiscar um novo desfecho para a nossa história.

Quantos de nós já não experimentamos uma situação parecida, por guardarmos um segredo doloroso do passado (do qual desejaríamos fugir!), vivendo longo tempo sob a sombra do medo? Com baixa autoestima, nos autoflagelando, fazendo sempre as escolhas erradas apenas para não perdermos tudo que “conquistamos” com o peso do nosso silêncio?

Iyanla Vanzant, em seu Enquanto o amor não vem, afirma que uma pessoa que tem medo é capaz de qualquer coisa para não ser descoberta. Levado ao extremo, o medo conduz à covardia e aos atos mais vis e abjetos que alguém pode cometer. Sem falar que gera uma bola de neve, que só a verdade conseguirá deter.

Não falo da verdade como um ato de heroísmo – que exige uma coragem quase irracional –, mas de gestos simples, como nos olharmos no espelho e nos reconhecermos falhos e passíveis de erro igual a todo mundo, e, mesmo assim, ainda sentirmos amor pelo que somos. Falo de abrirmos caminho para nos tornarmos, hoje, melhores do que fomos ontem, pois a natureza não exige pressa, mas reclama ação. Enquanto o medo paralisa, o perdão nos convida a seguir em frente, apesar de...

No último sábado, uma moça ligou para a rádio Difusora enquanto apresentávamos o programa Momento Espírita (das 16 às 18 h), sob o comando de Renato Holanda. Voz abafada, como se falasse com a boca colada ao telefone, ela nos perguntou se havia perdão para aqueles que praticam o ato do aborto, pois, como outras tantas mulheres, já havia cometido esse crime sob a ameaça de ser abandonada pelo namorado e rejeitada pela família. Um ano depois, ao lhe propor a mesma coisa numa segunda gravidez, ela abandonou definitivamente aquele homem desleal e covarde. “Porque eu nunca me perdoei pelo que fiz”, nos confidenciou.

Então lhe lembramos – Renato, Fernando Caldas, Manoel Juvino e eu – da infinita misericórdia de Deus e das inúmeras possibilidades de se reaver um erro adotando nova conduta a partir do arrependimento. Este, o primeiro passo para a redenção: o arrependimento! Depois o autoperdão...

Dar o suporte necessário para que futuras (e inseguras) mamães não cometam o mesmo erro; adotar emocional ou materialmente uma criança carente; amar e orientar os filhos de outras mães, que sofreram abandono real, moral ou intelectual... Enfim! “Onde houver desespero, que eu leve a esperança; onde houver tristeza, que eu leve a alegria; onde houver trevas, que eu leve a luz”, como convida Francisco.

Porque, quando soltou aquela frase mágica – que o havia atormentado durante longos 25 anos –, enquanto corria olhando para o céu, naquela tarde chuvosa de primavera, o homem não tencionava imitar o gesto do caçador de pipas (ops!). Apenas deixara fluir o sentimento que o havia libertado dos erros do passado e lhe dera nova oportunidade de se redimir, descobrindo – como lhe lembrara o amigo de seu pai – que ainda havia um jeito de ser bom de novo.

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