sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Para embalar os sonhos

A data já tinha passado e, para mim, até parecia já ter acontecido há muito tempo. Mas ela queria de todo jeito comemorar: trazer de volta a lembrança festiva do meu aniversário já que estive fora praticamente todo o mês de janeiro.

Chegou, meio sem graça, desculpando-se pelo embrulho, ou melhor, pela falta de embrulho no presente da melhor amiga. Disse-lhe, então, que relaxasse, afinal, o que valia mesmo era a lembrança e o conteúdo. E tratei de tirar da sacola a singela caixinha, cujo tamanho era menor do que uma medida de mão.

Enquanto tentava decifrar, pela intuição, o que vinha ali dentro ela ainda se explicava, lembrando que há muito acalentava a idéia de me dar esse presente, pois achara a minha cara...

Há algum tempo, havia comentado sobre o meu gosto por esses pequenos aparelhos mágicos, que têm a capacidade fantástica de alcançar ondas sutilíssimas, que perpassam os céus, levando informação e música aos rincões mais esquecidos do nosso país. Mas só o fiz ao descobrir no vasculhante da cozinha dela um desses singelos instrumentos.

É claro que eu tenho consciência de que, na atualidade – em que a tecnologia avança numa velocidade absurda, criando máquinas que só faltam falar (e eu até acredito que já existem as que falam!) –, o rádio de pilha está praticamente obsoleto. Mas nem a rapidez nem a praticidade da internet são capazes de tirar a poesia dele.

Bom, o fato é que a Elô acertou em cheio na escolha do presente, porque eu já voltei para casa tecendo planos de dormir com o meu radinho de pilha verde tocando à cabeceira da cama. Mais do que poesia, o inusitado presente reacendeu em mim valiosas lembranças da infância, como, por exemplo, a primeira vez que os meus olhos avistaram um aparelhinho desses, com desejo e admiração...

Era final da década de setenta, quando Lucinha e eu fomos para o Recife, passar duas semanas na casa de tia Terezinha, nas férias de janeiro. Ociosas, e desacostumadas com a vida em apartamento, minha irmã e eu passávamos o dia aprontando, embora fossemos até comportadas para os doze e dez anos que tínhamos, respectivamente. Andar de elevador repetidas vezes, com os botões dos andares todos apertados, era, talvez, a nossa maior contravenção.

Passada a primeira semana, titia nos mandou para a casa de Marconi, o mais velho dos seus três filhos e o meu padrinho – por quem eu morria de amores. Recém casado, ele morava em um apartamento na praia de Piedade. Lá a nossa rotina mudou e as férias ficaram bem mais interessantes, uma vez que íamos diariamente à praia com Carmem, irmã de Socorro – coisa que eu, afoita como um peixe marinho, adorava.

Carmem era uma jovem recifense de aproximadamente dezoito anos, que, assim como nós, estava passando uns dias com o casal. Descolada e moderna, embora doce e simples, a moça logo se tornou, para mim – menina tímida do interior –, um ideal de beleza e sofisticação.

E foi exatamente ela que me fez achar o radinho de pilha o máximo, principalmente como coadjuvante de uma noite relaxante e cheia de sonhos. Pois a moça tinha o hábito de dormir com um aparelhinho desses embaixo do travesseiro, o que, no alto do seu beliche, aquilo me parecia a coisa mais sofisticada que eu já tinha visto.

Enquanto ela ficava ali, de olhos fechados, embalando o seu sono com as canções que saiam da sua caixinha mágica, eu permanecia de olhos abertos, sonhando acordada com um radinho de pilha igual àquele: para botar sob o travesseiro e dormir feliz, incrementando os meus sonhos com a musica que chegaria até eles pelas ondas do rádio...

Os anos passam, a gente cresce e amadurece, mas os primeiros sonhos, os mais belos sonhos da infância (agora eu sei!)... Eles nunca morrem.


@para Elô Baêta.

3 comentários:

lis disse...

Oi Maria
Obrigada pela passagem pelo meu blo , é sempre um prazer , volte quando quiser. Nem sempre posso estar em todos os blogs , mas adoro ler suas cronicas , seus poemas, apreciar suas fotos , preciso ficar atenta e voltar mais vezes.
Que bom ter te agradado o blog , as fotos dos ladinhos quase todas são minhas, outras não , vou recolhendo nos passeios pela net.
meus abraços , bom carnaval

Elô Baêta disse...

Minha amiga, percebi toda a poesia que o velho e bom radinho de pilha e companheiro de travesseiro teria para você. Agora, mais ainda, após o relato dessa terna lembrança da sua infância. Não tive dúvidas. Pensei: o som do radinho trará luzinhas de inesquecíveis reminicências e a cor (verde), a esperança para aquecer o futuro.

Beijos e bênçãos de Jesus sempre

Yvette Maria Moura. disse...

amém. amém. amém.
para vcs 2.
MM.