quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A carta

(foto: Yvette Moura)

Andei forjando o teu semblante em tantos rostos que já nem sabia mais quem era quem na minha busca infindável. Em cada face, um detalhe acabava sempre denunciando a tua ausência cara, alma da minha alma. Não era pelo sorriso nem pelo brilho dos olhos; não era pelos traços fisionômicos, tampouco pelo som da voz; é que apenas não se via profundidade nos sentimentos ou verdade por trás das palavras... Ainda não era teu o ansiado abraço!

Gestos mais sutis, no entanto, palavras amorosas, lampejos de delicadeza, promessas de lealdade, tudo me confundia o espírito, ansioso e imaturo, na procura infatigável. Ao fim de algum tempo, portanto, acabava sempre caindo por terra a máscara do impostor; desfazia-se todo o encanto, como que por encanto, de uma hora para a outra.

Novamente de mãos vazias, coração opresso e alma cansada, retomava a antiga busca no desértico terreno das relações humanas. Mas cada novo encontro, cada situação experimentada, apontava um caminho semelhante, igualmente solitário...

Os dias correram céleres. Os anos se passaram rapidamente. E o peso das responsabilidades foram engolfando os anseios juvenis. Ao fim de cada dia, hoje, o cansaço vence a saudade, inexplicável quão renitente, do tão esperado amigo; e a vida segue o seu curso, mesmo assim, urgente e impassível.

Foi então que eu descobri, quase sem querer, com a persistente ausência que tanto me afligia: o amor não é um doce exclusivo para deleite de alguns, mas alimento coletivo, revigorante e nutritivo, que torna una a família universal. Estava decidido: para mim, acabara-se a busca. Daquele dia em diante – não me recordo quando –, não haveria mais uma causa pessoal: afinal, que diferença faz amar apenas os que nos amam se a vida nos pede sempre mais? Sempre mais...

“Permaneçamos firmes no propósito redentor de servir aos mais necessitados – escreveu-me, outro dia, dileto amigo do Além, amoroso e paternal –, e exercitemos, com eles, o verdadeiro amor”.

“Que saudade, querida, que saudade! – continuou positivo o amado benfeitor – As lágrimas banham o meu rosto com um amor sincero, que há de seguir-te ao longo dos tempos. Mas é tão leve e doce o meu amor que não deve, nem pode, aprisionar a tua alma; antes, libertá-la; incentivá-la a ir sempre mais além, alçar vôos cada vez mais altos. Segue, querida, segue a tua vida. Sempre motivada pelo amor maior. E eu seguirei por perto, cuidadoso e alerta; sempre cuidando de ti. Serenando os teus ânimos nas adversidades, sustentando-te sempre nos dias difíceis; rogando ao Pai sejas vitoriosa hoje e sempre, para que sejas feliz”.

Como se fora a peça que faltava no meu quebra-cabeça, essas palavras de incentivo, confesso, tocaram as fibras mais ínfimas do meu ser e me trouxeram inexprimível paz. O amor, sendo o elo que agrega voluntariamente os seres afins, não prescinde da matéria para se manifestar. Bastam a reciprocidade dos afetos, a admiração e o respeito mútuo, a disponibilidade sincera e a lealdade voluntária para que o amor se sobreponha às limitações do tempo e do espaço.

Como o ponto que é colocado no final de uma sentença para que outra oração, ali, seja escrita, as palavras que me foram endereçadas, na inusitada carta, trouxeram-me intraduzível esperança e conforto. Pois me lembraram que nunca estamos completamente sós, no espaço infinito da Criação, e que, por mais pareçam insignificantes os nossos esforços, há sempre alguém que nos observa, contabiliza as nossas conquistas e nos assiste, pelo prazer incomensurável de servir.

@para Antero.

2 comentários:

lis disse...

Fazia tempo que nao chegava aqui pra le "palavras de Maria" e hoje num domingo frio tive a feiz idéia de abrir sua página onde encontro a mais linda carta que transformou sentimentos e buscas icessantes do que oemos encontrar no coração de mais pessoas e não de uma idealizada.
Lindo texto, adorei.
beijinhos Maria

Yvette Maria Moura. disse...

sim, Lis, sentimentos e buscas que se acalmam numa bela carta, repleta de afeto e respeito.

é sempre muito bom receber a tua visita amiga! volte mais vezes.
.
.
.
bjos,
MM.