Talvez fosse o desejo, tolo desejo, de viver algo diferente
nesse fim de ano, e ser surpreendida pelo carrilar da vida, que a qualquer
instante pode mudar tudo de ordem e de lugar.
Talvez apenas um enfado – esse desalento cíclico que dá, de
quando em quando, antes de uma guinada ou transformação radical; talvez não...
Talvez não fosse nada disso, mas o excesso de compromisso
pesando sobre os ombros mais do que o habitual, como um fardo maior do que o
próprio peso pode suportar; se é que isso é possível.
Talvez a falta de um sentido a mais na gente, que faça
enxergar mais longe, fluir sobre o cinza-chumbo de um cotidiano
quase-sempre-tão-igual; mas...
Talvez parecesse normal olhar sem muito brilho, sorrir sem
muito gosto, sem achar graça em nada, como qualquer mortal em crise
existencial.
Talvez fosse mesmo o jeito viver assim, sem jeito, tentando
se equilibrar na corda bamba em pleno meio-dia – pés deslizando sobre o fio
grosso de aço, armado sobre os carros de movimentada avenida –, aflita.
Talvez fosse mesmo a vida da gente: criaturas tão
diferentes, mas sempre tão iguais; ou mais...
Talvez estivéssemos nós fossando a barra, vivendo na marra;
como se nadássemos à contra gosto, mar adentro, remando contra a maré. Qual é?
Talvez estejamos você e eu, de uma vez só, lutando contra as
amarras, desatando os nossos nós, a sós, mas sempre tão enrolados, inteiramente
dependentes, que mais parecemos fios de um grande novelo de lã – que por mais
sejam usados vão estar sempre agarrados, minimamente atados, alinhavando um
pedaço de pano em misterioso bordado. Ai de nós!
Passam-se os dias, passam-se anos, e a gente continua seguindo
em frente sem ter lá muita certeza de onde vai chegar. O passado fica, andando
para trás feito Curupira; os dias se arrastam ligeiros, num constante presente;
e o futuro, sem pressa, nos convida a avançar ainda mais. Olha lá!
Não adianta inventar moda, apressar o passo ou manzanzar. O
tempo de cada qual é fundamental para o seu despertar. Como diz o parnasiano Raimundo
Correia, no seu poema-epíteto, “Vai-se a primeira pomba despertada... / Vai-se
outra mais... mais outra... enfim dezenas, / De pombas vão-se dos pombais,
apenas / Raia sangüínea e fresca a madrugada...”.
Mas nada mais importa se fecharmos as portas e as janelas da
alma. Tenha calma! Que a labuta é dura, mas o cinza só perdura – arrastando o
cotidiano num martírio sem fim – enquanto permitimos, acabrunhados, dando guarida
ao mal.
Enfim. Ainda que tudo no mundo e os convites profanos nos
empurrem a regiões abismais – aviso –, sejamos perseverantes na semeadura do
bem. Sorria, cante, conte histórias, ouça o que diz o outro.
Seja sábio! Seja bom! Quem muito quer nada tem; quem só faz
o que lhe convém, planta dor e solidão.
Ontem como em todos os tempos, diante das injustiças, tenha
fé, persevere, seja confiante. Na vida tudo passa, mas não sairá de graça o mal
que fizermos a outrem. O único ganho da vida, no somatório das nossas ações, são
os valores comprados, arduamente conquistados, com a moeda do bem.
Um comentário:
Estamos no mundo para isso: viver nossas incógnitas e confrontar nossas incoerências; a dúvida e as certezas haverão de zurzir implacavelmente sobre as nossas cabeças. Só não podemos (e nem devemos ) adormecer o coraçâo e viver a esmo, refém de uma mente anêmica.
Beijos no coração.
Fernando caldas
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