quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O lugar que nos pertence


Como propalavam os irmãos gaúchos Kleiton e Kledir, no final da década de oitenta, na balada Loucos de Luz, “as coisas mais simples guardam os mistérios, e eu vou fundo e sério até o fim, nos detalhes, nos porões, em mim”.


Naquela época, quando cantarolava esses versos com o furor da adolescência e, paradoxalmente, sentimentos de um espírito antigo, eu já havia compreendido que só se alcança a maturidade quando se tem a coragem de vasculhar a consciência, aceitar a própria história e seguir sempre em frente.
Pois tudo é movimento.


Um processo em que etapas precisam ser vencidas paulatinamente, até que os erros virem acertos e os novos conceitos sejam bem sedimentados, para que, um dia, dentro de nós tudo se acalme.


Não mais o “queimor” do ciúme, o vulcão das angústias, as desventuras da espera ou o espaço inútil de mágoas e ressentimentos. Não mais os sonhos tolos de um romantismo cinematográfico; não mais o desespero nas despedidas nem o desalento na saudade; não mais a inanição do amor...


Não será ainda a felicidade suprema, o estado pleno do ser, mas o balanço das perdas e dos ganhos de mais uma etapa: a soma de aprendizados e conquistas de uma das inúmeras etapas que ainda temos a percorrer.


Há os que a experimentam aos quarenta anos; outros, um pouquinho mais. E há os que passam uma existência inteira sem amadurecer. Mas há quem dê lições de vida em tenra idade, e quem, mesmo sendo convidado pela dor, ainda se nega a aprender.


Uma coisa é certa: cedo ou tarde, todos iremos chegar lá. Uma vez iniciado o processo, contudo, há que se ir até o fim; sob o risco de ficar pela metade, acovardado em si mesmo, totalmente fora do contexto – nem adulto nem mirim.


Cada dor, cada dificuldade, ou situação humilhante a que se venha a passar, será o buril necessário para a escultura da alma. Sem fugas ou subterfúgios, esquemas de qualquer sorte, nada vale mais a pena do que construir, cada qual, o próprio norte.


Dia a dia, passo a passo, cada um é responsável pela própria felicidade. Como dizia O Messias, não há peso que o ombro não possa suportar. Devagar, aos poucos, mas sempre em frente – essa é a marcha!


Pois a vida não é feita de privilégios, como pensam alguns. “A vida, para toda alma que triunfa no carreiro áspero, é serviço, movimento, ascensão”, como adverte a benfeitora Matilde, no livro Libertação, de autoria de André Luís.


Cada ação “inimiga” e cada tropeço nosso serão elementos indispensáveis ao burilamento do ser. Pois sempre que isso acontece, e a dor nos fustiga a alma, estamos sendo chamados a ocupar o lugar reservado só para nós. Estreito ou largo, confortável ou incômodo, é ele o nosso canto: lugar que nos abriga, reúne ou aprisiona junto a quantos precisamos conviver.


E a consciência desperta, no comando da alma, dá a sentença e dita as regras: - Entra. Pisa o chão. O teu lugar é aqui!


Muitos passam pelo mundo saltitando, superficiais, sobre o lugar que lhes pertence. Por sentimentos vários, fogem aos seus compromissos, suas responsabilidades, fugindo também de si. Um dia, porém, também irão compreender que “é indispensável buscar as pérolas perdidas para que o paraíso não permaneça vazio de beleza ao nosso olhar”, como alerta Matilde.

@para Elô Baêta.

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