A despeito dos repetidos sopros, a vela flamejante insistia em
manter-se acesa...
Os olhos lacrimosos denunciavam, antes de tudo, alegria e gratidão.
Em torno de si, parentes, agregados e amigos festejavam a vida cantando e
batendo palmas. Ao seu lado, a filha dedicada, as netas e o bisneto posavam
para a foto. Mas na torta sobre a mesa, a despeito dos repetidos sopros, a vela
flamejante insistia em manter-se acesa...
Que mensagem nos traz este simbólico objeto que parece ter
vida própria? Pensei, filosófica, enquanto registrava aquele momento de fugaz
felicidade. E desatei ali mesmo o meu rosário de questionamentos sobre o
sentido da existência; no exato instante em que comemorávamos os sessenta e nove
anos da avó de minhas filhas...
Em que consiste a vida, se chegamos a ela e dela saímos
sempre com as mãos vazias? Qual o valor dos dias memoráveis, se nos serão
levados tanto quanto os mais difíceis? Que importância tem o aprendizado, se as
lições ficarão para trás, assim como os livros estudados, quando nos formos
daqui? E por que comemorar a idade nova se a vida na carne é uma irrevogável
sentença em contagem regressiva?
Embora não buscasse respostas imediatas, a simples
observação daquele instante já me apontava sinais profundos da ação constante de
uma consciência extra-física – que a tudo coordena – em nossas vidas, cujos propósitos
vão muito além da nossa capacidade de compreensão.
A proximidade dos setenta anos está fazendo de Dona Nega uma
criatura mais generosa e afável, e a chegada do bisneto parece lhe ter renovado
as esperanças sobre a continuidade da vida – assim como o canto dos pássaros
renova aos homens a certeza de um novo dia.
Pois velhos valores já começam a ser
revestidos de uma nova roupagem; mudanças profundas estão sendo instaladas com a
apreciação de novos conceitos, e as inevitáveis limitações do “ter” estão,
paulatinamente, cedendo lugar às potencialidades do “ser”.
Tenho a certeza de que, como eu (afeita a esta prática desde
cedo), também ela já se pega a perscrutar o sentido da vida...
Assim, logo iremos compreender que nós não temos exatamente uma
existência curta – como bem declarou Sêneca em seu tratado sobre a brevidade da
vida –, “mas desperdiçamos uma grande parte dela”. Pois “a vida, se bem
empregada, é suficientemente longa e nos foi dada com muita generosidade para a
realização de importantes tarefas”.
Para o filósofo, e ao contrário do que pensam os imediatistas,
e aqueles que só enxergam o lado ruim das coisas, nós só sentimos realmente que
a vida se esvai quando a desperdiçamos no luxo e na indiferença, sem respeitar
nenhum valor ou realizar o que estava planejado para ser feito.
Festejar a existência, portanto, em qualquer época que seja,
será sempre oportuno para pontuar a vida e colocar os sentimentos em dia.
Afinal “por mais curta que seja, é mais que suficiente, de maneira que, ao
chegar o último dia, o homem sábio não hesitará em ir para a morte com
tranquilidade”.
Porque terá certamente a consciência de que apenas atravessa
a ponte para a Verdadeira Pátria, como bem definiu Cícero (106 a .C a 43 d.C): “deixo a
vida não como quem sai de sua casa, mas como quem sai de um albergue onde foi
recebido”.
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