terça-feira, 14 de novembro de 2006

Da casa à praça

Como o próprio nome diz, “ditado” é uma máxima que passa de boca em boca, tornando-se imutável através dos anos. Aplicando exemplos morais, filosóficos ou religiosos, os ditados vão passando de geração a geração e constituem uma parte importante da cultura de cada povo. Como surgiram, onde, ou quem os inventou são coisas que os historiadores não sabem precisar. O que se sabe é que, desde que o mundo é mundo, os mais velhos usam as máximas para nortearem os mais novos, e esses, passam adiante os ensinamentos que receberam de pais e avós através dos ditos populares.

Foi assim que cheguei à mocidade colecionando adágios que escutei na infância. Pois mesmo que não lhes desse crédito quando eram mencionados, a minha mente se encarregava de guardá-los para aplicar as lições no momento oportuno: “Diz-me com quem andas e eu te direi quem és”, me alertava a consciência em relação às amizades; “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura”, vinha o incentivo quando o momento exigia perseverança; “Costume de casa vai à praça”, cobrava, sem demora, a boa educação...

Lembrei desse ditado na semana passada, quando vi os meus direitos de cidadã serem usurpados por jovens de classe média que resolveram “aportar na minha praia” para se divertirem no seu novo “point”, a pouquíssimos metros de onde moro. Exatamente no único dia em que posso chegar cedo e ficar em casa curtindo o merecido descanso. Descanso? Quem dera!

Lua cheia. Vinte horas. Mal aponto na esquina e já encontro a rua alterada. Carros aglomerados na calçada, na frente dos prédios, nas portas das casas, no meio da rua ao lado – que conduz à única praça do antigo conjunto Sete Coqueiros (é uma área toda residencial), no bairro da Ponta Verde. Isso sem falar no som altíssimo, que ia sendo revezado entre o “melhor” do brega e as novidades do forró eletrônico em decibéis muito aquém do permitido pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente.

Diante do quadro, a contar pela experiência das últimas quintas-feiras, eu não tive dúvida: o caos estava instalado! Dentro de casa, qualquer atividade era um esforço vão. Ver a novela, assistir a um filme, ouvir música, ler um livro... Nada era possível. Até conversar ficou complicado, pois falar a gente conseguia, mas a resposta demorava a chegar e, quando vinha, o assunto já fora distorcido.

A música estridente e o burburinho das pessoas que se acotovelavam dentro e fora do infernin..., digo, do espetinho que fica na pracinha a que me referi, tornavam qualquer ação intelectual impossível. Resolvi, então, passear com o cachorrinho, mas isso também não me pareceu uma tarefa fácil. Apesar dos carrões e da gente bem vestida que tomavam conta do lugar, não me senti segura para andar por ali. Voltei rapidinho.

Por volta da meia-noite, ainda tentando conciliar o sono, ouvi a sirene de viaturas da polícia, numa ação que durou cerca de 20 minutos – provavelmente, chamadas por alguma velhinha assustada que mora ali há anos. Pena que, ao primeiro sinal de “sujeira”, os sons foram cuidadosamente desligados... Feita a ronda, o caos voltou ao seu normal.

Eu fui vencida pelo cansaço, mas dormi um sono ruim, cheio de sobressaltos e maus pressentimentos. Acordei às quatro da manhã com o barulho de um carro – talvez o último cliente – cantando pneus e rajando o motor, num total desrespeito aos moradores da região.
Com o coração aos saltos, olhei a praça, que, finalmente, adormecia, abandonada e cheia de lixo. O velho hábito da mente trouxe de volta o adágio da infância. Só que, dessa vez, em forma de questionamento: será que aqueles jovens tratam os seus familiares com tanto descaso quanto nos trataram naquela noite, levando os hábitos da casa à praça?

Nenhum comentário: