terça-feira, 20 de março de 2007

Mudanças e saudades

Quando Narciso anunciou que ia se mudar para uma casa, eu – que moro em apartamento há muitos anos, mas sou louca para viver em terra firme – senti logo uma saudade imensa de ter um pomar. Isso mesmo! A saudade foi o sentimento que tomou conta de mim naquele instante.

De repente, deu vontade de me mudar também. Deu saudade de uma casa no chão. De um quintal com plantas para aguar com mangueira no final da tarde (ou de madrugada, como fiz outro dia na casa de Jak enquanto conversávamos).

Deu saudade de ter novos vizinhos. Novos sons. Um silêncio novinho em folha. Saudade do sol me acordando à janela do novo quarto. Do Bem-ti-vi me chamando insistente lá de fora. Da brisa com novos cheiros. Outra dinâmica de vida. Outros ares...

Deu saudade do café na cozinha com porta dos fundos. Da possibilidade de incensar toda a casa com um cheiro de chá de erva-cidreira – as folhas recém colhidas no quintal. Saudade de velhos amigos vindo conhecer o meu novo espaço. Dos espaços novos, sendo ocupados por móveis antigos.

Uma saudade danada do rangido da rede no meio da noite. E da madorna balançada, mansa e despreocupada, depois do café do almoço em dias de domingo. Saudade de um montão de coisas de um tempo lá de trás, que eu nem sei ao certo se já vivi...

Mas quando lembrei do trabalho danado que toda mudança encerra; do embrulhar, e desembrulhar, de cada objeto da antiga residência; da faxina completa que é necessário fazer para entrar com o pé direito na nova morada; dos novos cantos que precisam ser encontrados para acomodar cada coisa; dos moveis que a gente acaba se desfazendo por que não cabem nos novos cômodos; do tempo que se leva para deixar tudo nos conformes...

Deu também uma alegria preguiçosa de não ter a necessidade imediata de mudar de endereço.

Foi pensando assim, e na absoluta impossibilidade de me mudar para uma casa no momento atual, que eu aproveitei a sugestão de Jak e assumi definitivamente o meu ‘Jardim Suspenso do Quarto Andar’.

Mesmo sem varanda, ou um quintal que me permita cultivar plantas, eu criei o meu jardim. E nele, cultivo hospedeiras, trepadeiras, orquídeas e violetas. Tem Comigo-niguém-pode também. Pau de goiabeira, pé de laranja, pedras dos mais variados tamanhos e formatos, uma cabaça de Sapucaia e um porta-panelas antigo, pintado de verde, que faz as vezes de porta-caqueira.

Há! E tem um bonsai de Fícus, que eu ganhei de presente de aniversário...

Mesmo sem varanda, cultivo um jardim em um canto da sala, por onde se derrama o sol alaranjado do final da tarde, adormecendo as plantas e deixando a parede que eu pintei de verde com um ar de mata tropical. De madrugada, o mensageiro grita em sua linguagem ancestral, quando o vento passa anunciando a chegada de um novo dia.

Sim. Em minha casa corre um vento gostoso e livre que me deixa feliz e me faz sentir privilegiada. Cada objeto que nela se encontra é a lembrança viva dos lugares por onde passei e das pessoas que vão compartilhando comigo essa jornada.

Meu endereço me acolhe o corpo e me atende as necessidades da alma. Ele adora receber cartas – escritas a papel e lápis, em letra cursiva –, e visitas inesperadas. Gosta de receber os amigos, os amores e tudo mais que me traz alegria e paz.

Agora, por exemplo, minha casa recebe a visita de cada um que se arvora a ler esta crônica e constrói uma imagem própria da minha morada. E eu, porque sou livre e não me deixo prender entre quatro paredes, posso habitar cada lar idealizado por suas mentes criativas. E já não sentirei saudade de fazer uma mudança para uma nova casa.

Bom, pelo menos por enquanto...


@ para Narciso. Por estar me ensinando, com ternura, a Ética do Cuidar.

2 comentários:

Unknown disse...

oi

Unknown disse...

gostei da crônica, vc sempre articulando bem as ideias e as palavras, mas não gostei de uma coisá: suas palavras se apresentaram com a sesação de despedida, de me deixa quetinha, um pedido de que te deixe viver ou voltar aos seus sonhos, não sei ao certo, só sei que a sensação ficou.
De todo modo, gosto de vc para compreender o que tiver para ser compreendido.
beijos
Narciso
PS. gosto de tu viu, mesmo.