domingo, 11 de março de 2007

Às segundas

As segundas-feiras são dias difíceis. Dias de sair do casulo e enfrentar o mundo com todas as suas máscaras e a maldade permissiva dos seres humanos. São dias de calor intenso e do mormaço todo que sobrou do domingo – a subir das entranhas da terra até se acomodar nas entranhas do homem, amolecendo seu desejo fraco de ser bom.

As segundas-feiras são dias de nervo à flor da pele; de mediunidade ostensiva, transpirando dor por todos os poros. Dias de lembranças tristes reclamarem o seu espaço, roubado pelas atribulações dos dias comuns.

As segundas são dias de puro queimor na alma, refletindo uma mente em chamas – o desalinho total, antes da loucura.

É em dias assim que os covardes traçam seus planos à surdina, desenhando em um papel bonito todo o seu potencial negativo. É em dias assim que os loucos não suportam a genialidade que trazem e abrem as portas para o desequilíbrio; tocam fogo no próprio carro; incendeiam transportes coletivos; atiram à queima roupa nos colegas da escola, nos freqüentadores de cinema, nos clientes de um shopping center...

É em dias de segunda-feira, que a humanidade toda fala aos meus ouvidos. Grita! E me angustia com suas angústias. Fala das noites mal dormidas; das sacanagens do fim de semana; dos desejos incontidos; e de toda sorte de desequilíbrio que ainda traz dentro de si.

É nesses dias, que eu absorvo a alma do mundo. Que eu condenso todas as loucuras dentro de mim e me deixo ser habitada por elas, despertando o inferno que há ainda nos seres humanos.

- eu me contorcendo de dor e de horror de mim mesma; desejando ardentemente estar em casa para poder morrer em paz; para poder me olhar no espelho e ler na imagem refletida que não é de mim que vem esse ardor; que não é dos meus olhos, nem da língua, nem dos dedos tortos, que escorrem lavas em chispas de fogo vivo –.

É em dias de segunda-feira que eu desejo morrer, mais que nos outros, como fez minha mãe. Para poder dizer, pelo menos, que não fui a culpada por estragar o fim de semana de alguém; e ainda lhe dei um dia de folga, um feriadão.

É em dias como esse que eu desejo transpor a bipolaridade cíclica; a barreira insuportável do silêncio imposto; a muralha que distancia os seres para mantê-los vivos.

A loucura que me invade, que toma conta de mim nos dias de segunda, precisa ser queimada em praça pública para sentir-se vencida; para expurgar os pecados do mundo...

Porque não sou nada nas segundas-feiras. Sou uma sombra de mim, apenas. Um breve vestígio, uma réstia fria do sol que brilhou por todo o dia. Sou um prenúncio da escuridão que, em breve, se fechará espessa e densa sobre o meu sorriso e a minha voz, que se cala de repente; sobre os meus dedos finos, que enrijecem, passo a passo, diante do teclado; sobre a minha mente, que só pensa em dormir.

Em dias de segunda-feira a melhor coisa que se pode fazer é render-se, então. Até que a loucura passe e passe também o dia, carregando consigo todo o seu mau agouro; todo o sofrimento; todo o peso do mundo sobre as minhas costas...

É em dias assim que eu fico acordada noites inteiras, dias a fio, tateando na escuridão do existir sem sentido – a letargia da vida personalizada em mim.

Mas tem segundas-feiras que me salvam: enchem de alegria a clausura do fim de semana; a solidão imposta; as ausências presentes; a loucura que ronda à porta, procurando uma brecha.

Há segundas-feiras que trazem a benção do trabalho; as ocupações; os encontros; a administração da vida em todos os sentidos. E eu me deixo envolver de tal forma que nem faço conta de mim. Sequer cogito a idéia de dormir, tamanha a intensidade e a alegria de estar viva.

Mas hoje estou cansada e vou dormir mais cedo, como se tomasse um remédio para passar a dor. Vou esgotar o tempo que me resta dessa manhã ruim para trazer de volta a poesia de existir (porque a quero sempre!). Porque sei que é ela que me alimenta a alma, fazendo fluir a vida, embora hoje esteja um pouco mais densa.

Porque sei que a vida é essa luz constante, que quanto mais transpiro, me entregando ao mundo, mais se revela e toma forma dentro de mim.

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