terça-feira, 10 de abril de 2007

A menina, o cãozinho e a aprendizagem do amor

A vida é construída na simplicidade das pequenas coisas, na beleza dos menores gestos, na força dos encontros inesperados, no poder das ações mínimas, na dor e na delícia de existir.

Mas o homem precisa do outro para existir...

E falo não do fato involuntário de chegar ao mundo, mas do ato conseqüente da singela vontade de existir para alguém. Já dizia o grande poeta português, Fernando Pessoa, “quem não quiser sofrer, que se isole”. E eu ousaria completar-lhe o pensamento, dizendo: e quem não quiser amar, também.

Outro dia ouvi algo muito profundo, e profundamente simples, de alguém que está no processo íntimo da aprendizagem do amor: “Eu tenho coisas muito bonitas em mim, mas só consigo vê-las por causa de você”.

É que sozinho o homem não exercita o verbo “compartir” (: da língua espanhola, partilhar, dividir).

Na infância, minha primogênita tinha muita dificuldade de se relacionar. Para se arrancar um sorriso dela, desses que nascem das entranhas da alma, era preciso um grande acontecimento, que podia ser desfeito ao primeiro desagrado. A alegria plena de existir – essa que faz acordar sorrindo sem saber por que – era um quadro distante e raro de se ver. Semblante sério, olhar profundo, contemplativa quase sempre, parecia trazer consigo as dores da alma.

Por prescrição médica, comprei-lhe um cachorrinho. Poodle, recém nascido, ele não era mais que uma bolinha de pêlos – arisco como ela –, que corria de um lado a outro, mordiscando tudo que via pela frente.

Mesmo com os contratempos de se ter um animal em casa – longas noites choramingando com saudade da mãe, dias intermináveis de coco e xixi espalhados pela casa, além dos pêlos desafiando a minha alergia –, eu olhava para frente: imaginava-os amparando um ao outro (como hoje acontece), principalmente naqueles dias em que fosse mais difícil fluir...

Apesar das brincadeiras grosseiras de prender e puxar, vestir e pentear, que toda criança faz, os laços de amor entre esses dois seres foram sendo construídos. O exercício do cuidar, a prática do compartir, foram surgindo naturalmente com o passar dos anos, pois como escreveu o chefe indígena Seatle ao presidente dos Estados Unidos (quando lhe foi proposto a compra das terras de seu povo, nos idos de 1850), na terra, “todas as coisas estão ligadas como o sangue que une uma família”.

Passados nove anos, é com uma alegria silenciosa e plena que hoje vejo as preocupações naturais de quem ama desabrocharem dos gestos e da fala de minha filha. Com o Ping, Jade se abriu também para o mundo. E se permite ao risco de ser passional.

Porque o amor nos traz sempre o sobressalto de que o ente amado pode, a qualquer momento, escapar de nós. Mas amar nos faz intensos e verdadeiros. Do contrário, não é amor.

Hoje, dia 10 de abril de 2007, a “pequena” Jade está completando 14 primaveras. E conviver com ela tem sido um constante aprendizado, desde a primeira vez que segurei a sua mão – de dedos finos e unhas compridas –, o primeiro gesto. Seu amor pelo Ping é um exemplo de lealdade e dedicação. E uma receita certeira para aqueles que têm dificuldade de aceitar o mundo e suas vicissitudes. Afinal, como diz o grande chefe indígena, “o que é o homem sem os animais? Se todos os animais se fossem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito”.

Mas este não é um pensamento isolado ou primitivo. É uma idéia também compartilhada pelos doutos e os ditos civilizados, até mesmo os que preferem a solidão, como Pessoa. Para o mestre lusitano, conhecido pelos muitos que lhe habitavam dentro da própria solidão, “o mal verdadeiro, o único mal, são as convenções e as ficções sociais, que se sobrepõem às realidades naturais”.

@ Para Jade, de presente de aniversário. ( ver foto)

3 comentários:

Anônimo disse...

Mainha,
O poema ficou lindo lindo lindo!!!
muuuuuito obrigada...demorou um pouquinho né?!?! más chegou, e tá melhor do que eu esperava ^^

beijões!!

Jade

Lu disse...

me deu foi uma saudade agora,eu lembro quando foi todo mundo pegar os cachorrinhos ping e 'negão' amo muito vocês irmãs e 2º mãe;Tá linda a crônica,
beeijo amanha tô ai gente! :D

André Falcão de Melo disse...

Feliz quem encontra em si o que de bonito ainda lá está, a partir de alguém. Parabéns! A ambas.