terça-feira, 3 de abril de 2007

A nossa é dos martírios

Ela surgiu como espaço destinado à discussão das idéias e à manifestação do pensamento e dos ideais das massas, como a ágora dos gregos e o fórum dos romanos. Na Idade Média, ela estava restrita ao tratamento paisagístico dos grandes palácios, não havendo qualquer preocupação em inserí-la no contexto urbano.

Só no decorrer do século XIX é que ela passou a constar nos projetos de urbanização dos grandes centros, como Paris, Barcelona e Nova Iorque, quando paralelamente foi sendo constituída a profissão de arquiteto paisagista. No Brasil, ela está diretamente associada à idéia do verde, do ajardinamento e dos brinquedos infantis, além dos bancos, em concreto ou madeira, que proporcionam a reunião de pessoas que buscam o descanso e o lazer.

Em Maceió, chamou-me a atenção quando aqui cheguei, há doze anos, o número significativo desses espaços – Floriano Peixoto, Pedro II, Dois Leões, Gonçalves Lêdo, Sinimbu, Deodoro, Lions, do Centenário, do Skate – e de outros pequenos recantos espalhados pela cidade, como os mirantes, destinados à contemplação e ao descanso dos transeuntes, embora a manutenção deixasse muito a desejar.

Anos se passaram e parece que a importância das praças foi mesmo esquecida. Conta-se nos dedos as que são bem cuidadas e têm aparência convidativa. É com pesar que observo o que sobrou desses lugares que já foram, alguns deles, palco de momentos históricos para o povo alagoano, como o 17 de julho.

Em nada lembram a imponência dos nomes que homenageiam.

Ao passar pelo Centro pode-se constatar que a praça não é mais o passeio onde as moçoilas tomavam um pouco de ar fresco, portando sombrinhas para proteger a tez. Também não o é dos boêmios, que lhe exaltavam as belezas, ou dos rapazolas que faziam a corte em tardes de domingo. Nem tampouco das crianças, vestidas de marinheiro, acompanhadas por suas babás...

Ela não é mais dos transeuntes que a cruzam diariamente a caminho do trabalho ou da casa. Também não é dos que fazem as manifestações populares. Tampouco é da cavalaria que avança ruidosa e cheia de pompa nas solenidades...

A praça não é mais dos meninos que gastam horas a fio na ociosidade, cheirando droga barata para enganar a fome e a carência de afeto. Também não é dos religiosos que gritam a Bíblia, dedo em riste, vestindo a carapuça do pecado em todos os que não se lhes assemelham, em atitudes dissimuladas. Também não é dos cachorros modorrentos que águam de quando em vez as plantas sedentas de ares mais rarefeitos...

A praça não é mais dos trabalhadores, que deitam os corpos cansados nos bancos de concreto, sob as árvores, no intervalo do almoço para fazer a cesta. Não é dos que tiram o lixo acumulado nas dobras dos canteiros e no entalhe das estátuas. Também não é daqueles que passam sujando tudo, desprovidos da educação básica – aquela que vai da casa à praça...

A praça não é dos jardins projetados com plantas da flora local. Também não é dos jardineiros que arrancam as ervas daninhas espalhadas por todo lado, alheias a qualquer planejamento.

Tampouco a praça é do povo e das lutas sociais...

A praça hoje é do desrespeito do homem contra o próprio homem e seus direitos adquiridos. É da fonte multicolorida que secou e nunca mais se ouviu cantar. É da lavagem de dinheiro público. É dos que não cultivam mais nem a esperança nem o velho sonho de tudo se ajeitar.

A praça é dos palácios, como antigamente. Ao povo coube apenas uma imagem distorcida de tudo que já se viu por ali. A nossa praça hoje é, literalmente, dos martírios.

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