terça-feira, 10 de julho de 2007

Como uma grande família

É domingo. Faz um sol intenso lá fora e a vida corre em mim como uma criança solta num campo florido em plena primavera. O sangue aquece o corpo até as extremidades, deixando a face rósea, enchendo o cérebro de idéias fresquinhas e tornando os cabelos sedosos para brincarem ao vento sem emaranhar.

Mas os anos já se passaram e não sou mais uma criança. Também não há campos floridos por aqui. E não estou lá fora, aproveitando a manhã ensolarada deste domingo...

Quem sou eu? Quantos anos tenho? Qual é o meu nome? Onde moro? Que importa tudo isso, se o que há em mim é vida plena e não há ninguém para compartilhar? Que diferença faz quem me acompanha ou quem me deixou partir lá atrás?

O mundo está cheio de pessoas solitárias. Milhares de seres se entrecruzam diariamente nos grandes centros, mas ninguém se importa verdadeiramente com o outro. Ninguém se interessa pela luta de sobrevivência dos demais. Mas a vida lhes corre por dentro do mesmo jeito...

Parceiros, avulsos, idosos, jovens, adultos, crianças, tanto faz. Estão todos guardados em si mesmos, desconectados entre si, formando, às vezes, pequenos grupos que se isolam, como se nada os ligasse e os envolvesse em um único organismo vivo chamado humanidade.

Ledo engano! Como irmãos siameses, o que acontece com o outro, fatalmente nos atinge. Quantas vezes passamos por um estranho, ou mesmo conhecido, e fazemos de conta que não o vimos? Quantas vezes falamos com as pessoas sem sequer olharmos em seus olhos? E seguimos taciturnos, a passos lentos e pesados...

É na padaria, no trabalho, na fila do banco, dentro do elevador. Estamos sempre tão apressados, ensimesmados, que não olhamos direito para as pessoas que falam conosco ou que nos atendem. E, às vezes, um sorriso pode salvar alguém de um ato extremo...

Há pouco fui passear na praia com o Ping para espairecer (está um dia tão bonito, tão colorido, que me parece perda de tempo ficar demasiado em casa) e assisti a uma cena que me fez ganhar o dia.

Quando cheguei ao Domingo de Lazer, crianças e adultos se divertiam alegremente. Pequenos grupos se formavam no asfalto, no gramado, na praia, nos bares e sob o coqueiral. Mas um rapaz em especial me chamou a atenção.

Ele passou à minha frente em direção ao Alagoainhas, carregando uma sacola plástica em cada mão. No volume da direita levava pequenas caixas de papelão; no da mão esquerda, latas de refrigerante e cerveja que ia colhendo pelo caminho. Tinha aproximadamente 24 anos, usava uma camisa de malha azul, um bermudão caqui, igualmente roto, e sandálias havaianas pretas, já bem gastas.

De repente, um carrinho de CDs passou por nós, tocando um alegre pagode. E então eu vi o semblante do moço se iluminar e a ponta de suas mãos ganharem vida, como a dos bailarinos. Abriu levemente os braços, para se equilibrar, e foi seguindo o carro, saltitante, fazendo pequeninos passos – arrastando os pés para trás, um de cada vez –, num bailado inusitado.

Parecia um menino serelepe, brincando ao sol consigo mesmo. Absorto em seus passinhos saltitantes, nem se dava conta dos demais. Afora eu, também os outros não o percebiam. E assim se foi pelo calçadão, esticando o pescoço de vez em quando, procurando latas nas lixeiras e nas mesas de bar.

Essa cena me fez ganhar o dia e iluminou a minha tarde. O desprendimento daquele rapaz (que nada tinha a não ser a si mesmo) me encheu de uma alegria sem par. E me fez pensar no quanto estamos ligados uns aos outros sem nos darmos conta disso.

Quem é ele? Como se chama? Onde vive? A que família pertence? Que importa tudo isso se a sua alegria me fez tão feliz e eu posso, simplesmente, chamá-lo de meu irmão?

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