terça-feira, 7 de agosto de 2007

Despedidas, travessuras e outras macacadas

Aos poucos, o inverno vai se despedindo, como se acenasse suavemente para dizer adeus. Uma noite fria, uma tarde cinzenta, um dia que amanhece coberto de orvalho, para depois espargir luz e calor...

A despeito da primavera, que está prestes a chegar, e do verão, que já se aquece no “banco reserva” doido para entrar em campo, eu fico me sentindo órfã ao ver partir a estação que mais me aproxima de mim mesma.

Porque o inverno me convida a mergulhar para dentro de mim e olhar o mundo com a proteção de quem possui um lugar seguro para ficar, sempre que preciso. Ele me convida à compaixão e ao exercício da caridade e do amor ao próximo. Também me leva a um lugar esquecido nos escombros de minha mente: a casa da infância.

É em tardes de chuva que eu mais me recordo dos dias primevos dessa minha existência. A mínima coisa me remete às alegrias do passado: as estórias contadas por Lourdes, quando faltava energia; as adivinhações na casa de dona Isaurita; papai acendendo a fogueira nas festas juninas; os bolinhos de macaxeira, incomparáveis, de dona Verônica; e o abraço apertado, quentinho como os cobertores de lã, que eu recebia de minha mãe, entre outras lembranças.

Coisas que só quem foi criado no interior sabe o valor que têm, depois que a gente cresce e se distancia da terra natal, acostumando-se ao estilo de vida engaiolado dos apartamentos.

Quando eu era menina, o período de chuva parecia interminável e as águas caiam em enxurradas. As tempestades eram um acontecimento para os meus olhos infantis: ficava horas com o rostinho colado no vidro da janela, olhando a água cair vigorosa, criando sulcos profundos sobre o barro vermelho.

Eu gostava de puxar o ar profundamente para sentir o cheiro de terra molhada que subia do chão às minhas narinas e me entorpecia de um prazer indelével. Ainda hoje é assim!

Quando a chuva cedia, cada um (éramos seis irmãos) escolhia uma das enormes poças que se formavam na frente da casa e ia brincar de velejar com os barquinhos de papel feitos por minha mãe. Como era a caçula, ficava sempre com a poça menor, pois a hierarquia exercida pela idade era soberana nesses assuntos.

Apesar da imaginação fértil, confesso que eu não era a mais levada, embora embarcasse em quase todas as brincadeiras propostas por meus irmãos, e nas férias de janeiro e julho adorasse contar com a participação especialíssima do sobrinho mais moço de mamãe, que vinha do Recife para juntar-se a nós nas reinações.

Cid tinha a idade de Ana, a mais velha dos irmãos, e era quem trazia as novidades da cidade grande para os primos caipiras. Nós éramos as cobaias preferidas para as suas invenções. “Alô, macacada!”, cumprimentava-nos ao chegar, fazendo alusão ao “Planeta dos Macacos”, seriado norte americano que a Globo exibia no início da década de 70, depois do sucesso do filme protagonizado por Charlton Heston e Roddy McDowall.

Também foi ele que criou o Clube do Bolinha e da Luluzinha entre nós, deixando bem claro que meninos e meninas têm suas diferenças. Mas quando inventava de matar lagartixas, a brincadeira era coletiva e cada um tinha um papel definido: ele era o padre, Luís Júnior carregava o caixão (um depósito de margarina, enfeitado com flores); Anselmo, de enxada em punho, era o coveiro; e eu, Ana, Thereza e Lucinha, éramos as carpideiras, chorando lágrimas de crocodilo durante todo o cortejo. Para desespero de mamãe, que dizia estarmos agourando alguém com aquele ritual macabro.

Sim, meus amigos, eu posso dizer que tive uma infância rica, pois são essas as lembranças que a chuva curiosamente me traz, além de uma saudade gostosa daqueles que já não estão mais aqui, como Cid, dona Verônica, dona Leó, Vailá, minha mãe e meu pai.

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