terça-feira, 20 de novembro de 2007

Lições de vida

A vida, mesmo a mais dura,
é pródiga em poesia e mensagens de esperança.



“Você tem tanto... Do que é que você reclama?” disse a voz amiga, doce e maternal, falando ao imo da alma. Eu desagüei num pranto incontrolável, dissipando as nuvens sombrias que se haviam instalado em meu coração.

Já faz um bom tempo que isso aconteceu, mas eu nunca esqueci. Naquele dia trazia o peito oprimido, o espírito cansado e a alegria era um sentimento distante demais para me fazer companhia. Deixara-me tomar pelos problemas que estava enfrentando naquela fase difícil e precisava lutar bravamente contra o desalento.

Retornava do trabalho que realizei durante anos pela casa espírita Recanto da Fé, denominado Caravana da Fraternidade, quando tudo aconteceu. Aos domingos distribuíamos cerca de 300 pães com manteiga e alguns garrafões de café com leite, em vários pontos da cidade, para as pessoas que dormem nas ruas.

Uma forma de aliviar um pouco a dureza de seus dias e a fome que mata o corpo e recrudesce a alma.

Naquela noite fora convidada para fazer a prece final, ao que recusei, julgando-me sem a menor condição para realizar tão nobre tarefa. Foi quando ouvi, pela primeira vez, a voz amiga, que, firme, embora amorosa, questionou: “Você vai perder esta oportunidade?”. Voltei atrás. Ao concluir a oração emocionada que fiz, recebi de presente as palavras de consolação com que iniciei esta crônica.

No último domingo, retornando às atividades, das quais me afastei por dois anos para me dedicar à pós-graduação na Academia Alagoana de Letras, dois episódios me fizeram lembrar aquelas palavras, que ainda hoje ressoam nas profundezas do meu ser. O primeiro foi com um senhor de aproximadamente 60 anos que estava na calçada da Igreja de Santa Rita, no Farol, assistindo à missa apoiado nas duas muletas que usava para se locomover.

Ao receber o convite para o café, o homem sorriu com olhos brilhantes e percorreu comigo os poucos metros que nos separavam do grupo, que já estava esperando. Quando o convidei para a oração, ao tempo em que depositava em suas mãos uma pequena mensagem do tipo Lições de Vida, seus olhos se acenderam mais ainda e ele disse que gostava muito de ouvir a palavra de Deus. Logo enumerou as diversas igrejas que freqüentava ao longo da semana, depois guardou a mensagem no bolso da camisa rota que usava, orou conosco contrito e depois se sentou no banco da praça para ingerir o alimento. Dizia-se feliz e agradecido a Deus.

Em outro momento, mais adiante, um menino de aproximadamente dois anos de idade me trouxe de volta a mesma lembrança. Na Praça Deodoro, que, à noite, silencia os burburinhos dos transeuntes para dar voz a outros tipos de murmúrios, cheira-colas, bêbados, velhos e vigias se reuniram conosco para agradecer a Deus e tomar o lanche.

Enquanto distribuía as mensagens entre os adultos, o bracinho magro da criança se ergueu para receber também. Enternecida com a pureza daquele gesto infantil, curvei-me diante dele e lhe entreguei uma folhinha, recomendando que levasse para sua mãe. O menino prontamente segurou o folheto e saiu com seu andarzinho débil.

Quando veio receber o lanche, o garoto me fez compreender que a vida, mesmo a mais dura, é pródiga em poesia e mensagens de esperança. Com o pão embaixo de um braço e a mãozinha segurando firme o copo de leite, a criança apontava os dedos finos para o alto e dizia para o grupo de voluntários da Caravana: A úa! A úa!

Depois de muito nos esforçarmos para entender o que o pequeno estava falando, eu e Aldo finalmente nos demos conta de que ele nos mostrava a Lua crescente, que reinava brilhante no céu, iluminando a noite escura. “A Lua!”, exclamei. “Boa noite, Lua!”, falei, acenando para o alto e sorrindo para o menino. Ele escancarou a boquinha miúda de alvos dentes e iluminou a face com um sorriso, esquecendo-se, ainda que por um instante, da rudeza da vida que levava.

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