quinta-feira, 12 de junho de 2008

Sob o olhar de Valentim, Antônio e Amélia Rodrigues

“Porque toda experiência deve partir do simples para o complexo, da tentativa para a realização”.

Até o dia de hoje, os apaixonados andaram às tontas com tantas promoções e reclames induzindo-os às compras para declararem o seu amor, através de presentes, nesta que é uma das datas que mais movimentam o comércio brasileiro: o Dia dos Namorados.

As ofertas vão desde cartões com ilustrações e dizeres românticos – produzidos em grande quantidade nesta época do ano – até as promoções mais inusitadas, como presentear o ente amado com um plano assistencial funerário (alguns garantindo não só assistência completa para o titular na hora da morte, como também para vários dependentes e alguns agregados).

Uma boa alternativa, creio eu, para os ansiosos que optarem por demonstrar o seu afeto, garantindo, desde já, “o futuro” do ser amado...

Brincadeiras à parte, aqui, no Brasil, a data foi criada pelos comerciantes paulistas numa tentativa de aquecerem as vendas e reproduzirem o sucesso do Dia de São Valentim (14 de fevereiro) nos países do Hemisfério Norte. Numa associação de idéias, escolheu-se a véspera do Dia de Santo Antônio (12 de junho) pela sua fama de casamenteiro – provavelmente por conta das pregações que o português fazia sobre a importância da união familiar.

Essa história, no entanto, remonta ao Século III, na Roma antiga, durante o governo de Caldeus II, que, idealizando formar um grande e poderoso exército, proibiu a realização de casamentos em seu império por acreditar que os jovens se alistariam com maior facilidade se não constituíssem família.

Contrariando as ordens do imperador, um bispo chamado Valentim continuou realizando as cerimônias às escondidas, mas, uma vez descoberto, foi condenado à morte. Enquanto estava preso, no entanto, muitos jovens lhe jogavam flores e bilhetes, afirmando-lhe ainda acreditarem no amor. Entre esses estava uma moça cega chamada Assíria, que, por ser filha do carcereiro, conseguiu permissão para visitar o religioso.

A moça e o bispo se apaixonaram perdidamente e a sua visão foi, milagrosamente, recuperada. Antes de morrer decapitado, em 14 de fevereiro de 270 d.C., Valentim teria escrito para a sua amada, assinando da seguinte forma: “Seu, Valentim”. – expressão que ainda hoje é utilizada pelos amantes.

Mas como cada época traduz o seu povo, observo, com certa tristeza, que o dia inspirado em criaturas tão sensíveis como Valentim e Antônio está ficando cada vez mais comercial e os casais têm se buscado como quem escolhe um produto novo nas prateleiras de um supermercado: pela embalagem ou pelas vantagens que possam tirar.

Num período em que tudo pode ser acompanhado pela televisão, é comum encontrarmos programas que prometem fortes emoções – garantindo a audiência da emissora –, com jovens que escolhem, pelo tato, em disfarçados jogos sensuais, o seu futuro amor.

Embora saiba que a vida em comum não é sempre um mar de rosas – principalmente em um mundo de expiação e de provas como o nosso –, confesso que, a exemplo dos discípulos de Valentim, eu ainda acredito no amor. Mas um amor construído sobre as bases sólidas da amizade, da entrega mútua, da compreensão recíproca e do desejo sincero de partilhar a existência a dois.

Não nessa queda-de-braço que se vê por aí, em que prevalece o individualismo, numa disputa acirrada de egos, ou o jogo de interesses ao invés de ensaiarem o companheirismo e a cumplicidade, como o casal de septuagenários – sobre o qual me falou Bernardino – que assistia à TV de mãos dadas e trocando beijinhos...

Afinal, as almas gêmeas nada mais são do que seres que progridem juntos pela lei da afinidade, pois, como afirma Amélia Rodrigues no memorável Dias Venturosos: “Somente quem treina o amor em círculo reduzido se equipa de recursos para amar a multidão. Porque toda experiência deve partir do simples para o complexo, da tentativa para a realização”.

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