terça-feira, 28 de outubro de 2008

O vírus do amor

“Mas um indisfarçável brilho em seus olhos e o sorriso solto nos lábios denunciavam o orgulho e a felicidade da sua nova condição”

Andava sempre estressado, falando alto, engasgando as idéias, atropelando as palavras e se permitindo a pouco ou quase nenhum tempo para relaxar. Quando brincava com os colegas, fazia comentários grosseiros, dando sempre uma conotação maliciosa às suas palavras, e parodiava, com freqüência, as canções da moda com linguagem chula e enfoque sensual.

Noivo, mas irrequieto, levava uma vida de prazeres imediatos, embora profundamente solitária. Por conta disso, as brigas eram constantes, como constante era o vaivém desse relacionamento. Paradoxalmente, havia muita ternura em seus olhos quando falava sobre os sobrinhos e nos mostrava as fotos enviadas pela irmã, que morava no exterior. Uma outra criatura parecia coexistir dentro dele – sensível, terna, familiar –, embora fosse rapidamente sufocada por aquela mais grosseira.

Vez por outra, angustiado, me procurava para conversar e pedir aconselhamento, além das folhinhas “Lições de Vida” – confeccionadas pelo amigo Porangaba e distribuídas, gratuitamente, pelo Centro Espírita William Crookes –, que eu sempre trazia na bolsa. Leitura que dizia proporcionar alívio para as dores que acumulava na alma, ajudando-o a se acalmar e conciliar o sono nas noites de longas vigílias ou descargas excessivas de adrenalina.

Trabalhamos juntos por muitos anos até quando, motivado por questões pessoais, desejou dar um direcionamento diferente à sua vida. Distanciamo-nos, naturalmente, e apenas em alguns breves encontros casuais foi que nos vimos ao longo de todo o tempo que decorreu até aqui.

Há alguns meses nós nos reencontramos e, só então, foi que fiquei sabendo que o amigo havia, enfim, se casado (com a antiga noiva) e que o casal aguardava, agora, a chegada do primogênito. Em verdade, já o vira outras vezes antes, mas só agora é que compreendia por que, nos rápidos momentos em que nos avistamos esse ano, tinha ficado com a nítida impressão de que aquela criatura intempestiva de outrora estava diferente. Na minha ignorância, já que há muito não conversávamos, eu creditei ao avançar da idade, e à maturidade que o passar dos anos normalmente traz, a impressão que sentira em relação a ele.

Há pouco mais de um mês soube do nascimento de sua filha, cujo nome vem do grego e significa “sabedoria”, e aí entendi o real motivo da tal mudança. Como que contaminado com o vírus do amor incondicional, outro dia me mostrou as fotos da menina com o mesmo entusiasmo com que exibia as dos filhos de sua irmã, mas um indisfarçável brilho em seus olhos e o sorriso solto nos lábios denunciavam o orgulho e a felicidade da sua nova condição.

Foi então que ouvi de sua boca que os amigos não estão entendendo por que ele tem recusado os seus convites para “esticar o dia”. “- Eu vou bem deixar de tá em casa, curtindo a minha filha, pra sair com esses marmanjos!”, justificou a escolha, demonstrando, não apenas com palavras, mas pelas atitudes, o quanto tem “encontrado a si mesmo” depois do nascimento da filha.

Lembrei do querido companheiro das descobertas da adolescência (hoje competente terapeuta na cidade de Recife) Bartholomeu Nigro, que, pai aos vinte e um anos de idade, descobriu logo cedo que “a gente passa a se cuidar melhor depois que tem um filho”.

Mas, no caso de uma menina, o homem é atingido em seu ponto de maior fragilidade, eu diria. Como o meu irmão Luís Júnior, que se mostrava satisfeito com a paternidade dos dois filhos, dizendo, em tom de brincadeira, que “o sonho de todo homem é outro homem”. Ao saber que seria pai pela terceira vez acorreu ao socorro de um calmante, mas, passados seis anos, Maria Clara é, hoje, “a menina” dos olhos dele e sempre consegue render o pai a todos os seus caprichos, principalmente quando fala com doçura, faz-lhe “cosquinha” no pé e chama-o de “meu filho”.

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