quarta-feira, 25 de março de 2009

No topo do mundo

São sempre muito ricos os passeios matinais que faço com Ping diariamente. É bem verdade que, às vezes, não passam de simples cumprimento do dever, mas, sempre que possível, também procuro tirar proveito da “obrigação” de levar o cachorrinho para fazer as suas necessidades.


À noite, Maya normalmente me acompanha e acabamos criando um prazeroso momento entre mãe e filha. Braços dados, andamos pelo quarteirão em animada conversa, admirando o céu, nos deliciando com o frescor da brisa e parando de quando em quando para satisfazer o cão.


Sozinha, os passeios matutinos são um pouco mais maçantes, pois o calor é intenso, e o barulho dos carros, das buzinas e das construções torna qualquer atividade estressante. Por conta disso tento abstrair olhando os sinais paralelos, e quase imperceptíveis, que emanam da natureza.


Outro dia escrevi uma crônica, em forma de fábula, sobre a impressionante luta de uma lagartinha (que eu encontrei num desses passeios) para escalar uma altura muito maior do que a sua aparente capacidade. Infelizmente, o texto é muito grande para esta coluna, mas, qualquer dia desses, eu vou dar um jeito de apresentá-lo a vocês! Agora, esta manhã, eu fui surpreendida por um canto insistente, que mais parecia um discurso eloquente e apaixonado.


Apertando os olhos, lutando contra os raios solares, busquei o autor daquele chamamento. “Bem-te-vi! Bem-te-vi!”, gritava a pequena ave no ponto mais alto de um prédio comercial. Pela postura, o passarinho parecia estar se sentindo o dono do mundo ou, pelo menos, o filho dele. Cabeça erguida, peito estufado, cantava em alto e bom tom para quem o quisesse escutar.


Então fiquei pensando que, daquela altura (um prédio de três andares), não seria difícil para um ser tão pequeno se sentir maior do que as criaturas pesadas e lentas que ele via abaixo de si. Distraídas, excessivamente barulhentas, estavam tão ocupadas e preocupadas consigo mesmas que pareciam desprovidas dos “olhos de ver” e “ouvidos de ouvir”. Porque poucos escutavam o seu canto e, menos ainda, eram os que conseguiam compreender a sua mensagem...


Puxada por Ping, segui o percurso diário, voltando a cabeça de quando em quando para acompanhar o pequeno orador na difícil tarefa de “despertar” o mundo, até que ele, finalmente, abriu as asas e voou para outro púlpito. Mas o seu chamado permaneceu ecoando aos meus ouvidos e despertando minh’alma para coisas que eu não sei dizer.


Só sei que, no retorno, vi um homem sair da padaria com uma sacola de pão em uma das mãos e um menino sentado sobre o seu ombro esquerdo. Ele equilibrou o pacote entre os dentes, pegou o garotinho e colocou-o sobre o ombro direito. Depois dobrou a esquina a caminho da casa.


O olhar do garoto me chamou a atenção: no ombro do pai, cabeça erguida, corpinho ereto, apesar da pouca idade, olhava a rua e o movimento dos transeuntes como se estivesse no topo do mundo. Lembrei-me do pássaro e me perguntei se não era exatamente isso o que Deus nos proporcionava vez em quando.


Elevados à altura do Pai nos permitimos mais facilmente ser os executores da Sua vontade: não nos julgando superiores, apontando os erros alheios ou impondo ditatoriamente a nossa “verdade”, mas abrindo caminhos – no exercício contínuo da própria caminhada –, aprendendo com os erros e crescendo com os acertos.


Voltei-me para aquela cena, ainda uma vez, antes de entrar no prédio, mas o homem já ia longe, conduzindo o filhinho no trono improvisado. Confesso que subi as escadas me sentindo mais leve (como uma criança sobre os ombros do pai) e com uma vontade doida, incontrolável até, de compartilhar isso tudo com vocês. Portanto, eis-me!

3 comentários:

Lula Castello Branco disse...

Amo os ben-ti-vis, bem-aventurados guerreiros ! Linda a sua comparação: Do pássaro e da criança... Baita sacação !... Como são felizes e livres... e fortes em seus pedestrais... No topo do mundo... hummmm... lindo. Beijo

Lula

Anônimo disse...

Yvette,

faço hoje a primeira de inuveráveis visitas que se seguirão. Adorei ver através dos seus olhos, mesmo que por um instante. Hoje, são raros aqueles que enxergam beleza onde ninguém vê e descobrem um momento de paz em meio ao turbilhão em que nos encontramos dia após dia.

Grande abraço.

Yvette Maria Moura. disse...

Lula, Mariana,
que deliciosa surpresa receber a visita de vocês!
voltem sempre. olhemos juntos a poesia da vida. caminhemos de mãos dadas por aí...
e quando voltarem, por favor, me deem a alegria da vossa palavra.

um grande abraço,
Yvette.