quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Sobre demônios e anjos

(foto: Yvette Moura)

“Nem o passado, que aprisiona, nem o futuro, que aliena. Agora é o melhor momento para rever conceitos, iniciar a busca do autoconhecimento e estabelecer as metas possíveis para futuras realizações”, disse o mestre ao ser indagado sobre qual o tempo mais profícuo para quem quer encontrar a felicidade e a paz interior.
Olhos abertos – embora o semblante denunciasse uma mente que vagava ao longe, buscando o entendimento –, o jovem registrava cada palavra proferida pelo ancião.
Após alguns minutos, como se voltasse de um transe profundo, o rapaz perguntou ao sábio qual seria o ambiente e o meio mais promissores para a autoiluminação. Seria uma praia deserta ou o alto de uma montanha? Seria preferível buscar o isolamento ou se misturar à massa? Era melhor constituir família, para compreender e exercitar o amor, ou seria preferível adotar o celibato e a castidade para domar o desejo e cultivar a pureza?

“O meio em que te encontras – falou calmamente o sábio, lançando o seu olhar para além do horizonte – é o espaço que reclama o teu trabalho e a tua dedicação. Onde quer que tu te encontres, na companhia de quem quer que estejas, empenha-te em tudo quanto faças e o resultado das tuas ações será sempre positivo”, enfatizou, recolhendo o olhar do firmamento e pousando-o suavemente sobre o seu aluno.
Assustado diante de verdades tão simples, ditas sem nenhum rodeio ou qualquer floreio que as tornasse ininteligíveis – qualquer coisa que lhe permitisse escapar da responsabilidade sobre a construção de si mesmo e da própria felicidade –, o jovem arriscou um último questionamento antes de evadir-se:

- E quando é que eu devo me preocupar com as questões espirituais?
O velho olhou o pupilo de cima a baixo e, com um leve ar de riso, respondeu sem pestanejar:
- Tu deves te preocupar com as questões espirituais quando estiveres a apenas uma hora da tua morte.
E vendo os olhos do aprendiz se lançarem para longe mais uma vez – repousando sobre o horizonte, inquietos e tristes, enquanto o Sol acenava distante e o céu se cobria de sangue, escorrendo sobre os montes, como quem se despede da vida –, o homem foi tomado de compaixão. Colheu as mãos do pupilo entre as suas, calejadas e venosas, e lhe perguntou com doçura:
- Tu sabes quando será o dia da tua morte?
- Não. Respondeu o rapaz com voz trêmula e inaudível e os olhos marejados de lágrimas...
- Então, meu menino – considerou o homem com olhos lúcidos e voz firme –, é prudente que consideres as questões espirituais a partir de agora, porque podes estar a apenas uma hora da tua morte, e de nada servirão as promessas da matéria, os sonhos cultivados “em vida” ou a juventude do teu corpo depois que partires.
- A nossa passagem pela Terra não é uma experiência definitiva, que fará de nós anjos ou demônios de uma só vez e para todo o sempre. A vida na Terra é divina oportunidade de crescimento e aprendizado, que se repete inúmeras vezes, na qual o exercício do amor junto aos nossos desafetos será o maior e o mais belo dos desafios.
- Se almejas a felicidade, filho – falou o sábio, voltando o olhar, úmido, para o manto da noite, que, pouco a pouco, se estendia para além da janela, ocultando os montes –, começa por considerar que nós não somos seres materiais vivenciando, vez ou outra, experiências espirituais. Somos espíritos multimilenares, que percorrem a eternidade experimentando vivências materiais com o único objetivo de nos aprimorarmos individual e coletivamente. O resto, nada mais é do que ilusão passageira...
Emocionado, o aprendiz enxugou as lágrimas que lhe escorriam pela face e convidou os alunos a retornarem à sala de aula depois da singela homenagem prestada ao velho sábio, que partira naquela manhã. Mas com ele permaneceriam vivas as palavras sábias do seu primeiro professor...

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