domingo, 30 de julho de 2006

Um tempo para cada coisa

São tantos os compromissos assumidos no dia-a-dia, que, às vezes, nos atrapalhamos na administração do tempo. Principalmente se nos surge pela frente um espaço para ser preenchido, inclusive, com o saudável ‘não fazer nada’. O que poderia ser um momento precioso para recarregar as energias, logo se transforma em mais uma angústia dessa vida desembestada que nos oprime e aprisiona a uma correria constante.
Vivemos relações atropeladas, encaixadas entre um compromisso e outro. O mundo parece ter acelerado o passo. E tanto, que ficamos incomodados se nos deparamos, de repente, com um momento que pode ser vivido sem pressa e sem o estresse habitual.
Senti isso recentemente, quando tirei duas semanas de férias. Nos primeiros dias, não consegui relaxar. Ficava na dúvida sobre o que fazer com as horas vagas: ler, escrever, assistir um filme, fazer uma caminhada... Todas as opções me fariam bem à alma e seriam o primeiro passo para férias relaxantes. Mas nada! Ao decidir por uma coisa, outra me assomava à mente, insistindo em ser prioridade.
Logo, uma imensa lista de obrigações adiadas começou a se formar: era o dentista das filhas que precisava ser marcado, os exames que deviam ser feitos para completar o check up, a visita anual à ginecologista... Isso sem contar que nesse período esses profissionais estão com a agenda lotada e só iriam me atender quando as pequenas férias já tivessem acabado.
Então tratei de escrever uma outra lista com coisas mais fáceis de realizar, mas igualmente necessárias. Comecei pelas compras da semana (nas férias as crianças comem mais), os pagamentos bancários, alguns consertos em casa, os cuidados com as unhas, os cabelos, o retorno à academia... Bem, a academia foi trocada por caminhadas ao ar livre (mais compatíveis com férias). E lá se foi meu rol de coisas possíveis. Ao termino, já estava tão cansada que precisaria de novas férias para dar conta de tudo.
Mas essa falta de tempo não é uma exclusividade minha. É um fenômeno dessa cultura que vem adoecendo o homem civilizado, levando-o a jogar para segundo plano coisas importantes, como família e individualidade. Individualidade sim! A necessária conscientização do ‘estar no mundo’ (o que não tem nada a ver com individualismo).
O ‘ter’ tem dirigido a vida das pessoas e conduzido as relações humanas à superficialidade. A busca constante por uma “vida melhor” tem nos levado ao excesso de atividades. Todo o resto que, de fato, contribui para a melhoria íntima, vai sendo deixado de lado.
As refeições em família, por exemplo, com todos à mesa trocando idéias e compartilhando as experiências diárias, quase não se vê mais. Uma palestra descontraída entre amigos, só em salas de bate-papo, páginas de Orkut ou algum outro meio virtual. Ocupar um tempo livre praticando a caridade, então, nem pensar! Quando é que encontraremos tempo para visitar um amigo doente, levar carinho a idosos desconhecidos ou gastar uma tarde brincando com os “filhos do acaso”?
Em meio à pressa, à falta de tempo usada como desculpa e à ausência de um comprometimento social vamos deixando passar preciosas oportunidades de fortalecermos o Ser, em detrimento do Ter. E vamos vivenciando uma dificuldade cada vez maior de proporcionar a nós mesmos, e aos que nos rodeiam, uma maior qualidade de vida.
Quando me dei conta disso, botei as filhas no carro e fui viajar. Reencontrar pessoas queridas, conhecer lugares novos e estabelecer novos laços de amizade. Porque a vida requer um tempo para cada coisa, como diz o Eclesiastes. “Para tudo há um tempo; para cada coisa há um momento debaixo dos céus: tempo para nascer e tempo para morrer; tempo para plantar e tempo para arrancar o que foi plantado”.

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