sexta-feira, 15 de setembro de 2006

Desparcita sí, pero tranquila!

Tenho resistência, confesso, para aderir a certos recursos que teoricamente facilitam a vida do homem moderno. Cartões de crédito, por exemplo, não os quero colecionar. Dois; no máximo! Cheque, só se houver necessidade. Celular – não me encantam os atributos vários que os modelos mais modernos, e mais caros, diga-se de passagem, possam ostentar –, a mim basta que escute e fale. Minha filha costuma dizer que em matéria de modernidade eu sou devagar. No fundo, acho que ela tem razão, mas prefiro ir “evoluindo” assim: despacita.
Outro dia me ligaram do banco para oferecer um crédito maior no cheque especial, pois sou cliente antiga e cumpro direitinho com meus compromissos. Pensei no quanto esse crédito tornaria a minha vida mais tranqüila. Mas logo me vieram à mente os infortúnios que essa facilidade também poderia acarretar: a ilusória crença de um poder de compra maior e a lista de necessidades que inconscientemente começaria a construir para fazer valer o poder adquirido. Não aceitei.
Alguém deve estar me achando radical, afinal, um pouco de facilidade não altera tanto a vida de uma pessoa ao ponto de fazê-la perder o controle sobre si mesma e, ao invés de respirar mais aliviada no final do mês, se afogar em subseqüentes endividamentos, certo? Errado. Tenho visto muita gente dita controlada perder a cabeça por conta de certas facilidades.
Uma amiga me ligou, outro dia, profundamente contrariada com a confusão que tinha feito por causa de um dinheiro “extra” que apareceu na sua conta...
Quando leu o extrato ficou surpresa ao perceber que o seu salário parecia estar esticando aquele mês. Apesar de ter cumprido com todos os compromissos e ter feito alguns gastos inesperados (como consulta, exames e a compra de remédios pro gatinho que adoecera de repente) seu dinheiro ainda rendia. Era a verdadeira multiplicação dos pães se materializando em sua conta bancária. E ela estava felicíssima.
Na verdade, não precisava de mais nada aquele mês, mas, como ainda tinha uma “laminha” no banco, começou a criar necessidades ‘extras’ até gastar toda a soma.
Findaram os trinta dias e ela estava satisfeita. Na sua distração, além da complexidade que alguns bancos criam ao disporem a movimentação bancária do cliente no extrato, a minha amiga acreditava mesmo ter sido agraciada com um presentinho, que poderia se tratar de algumas horas extras, ou o terço das férias, ou uma parte do décimo terceiro adiantado... Ou qualquer coisa assim.
O fato é que quando o mês seguinte chegou e ela se dirigiu ao banco para fazer seus pagamentos descobriu que tinha um “rombo” nas finanças: sessenta por cento do salário tinha sido “engolido” pelo banco. Desesperada, recorreu ao gerente para saber o que havia acontecido.
- “O fato é simples”, garantiu ele, lendo com destreza aquele amontoado de números no papelzinho que minha amiga lhe apresentara. “A senhora gastou cem por cento do seu cheque especial”, declarou o Sr. Fulano de Tal, com a mesma sensibilidade que um especialista declara ao paciente terminal que ele dispõe de apenas algumas semanas de vida.
Saiu meio cambaleante a minha amiga, sem diferenciar muito bem se o que via a sua frente era homem, mulher ou uma pilastra. E desapareceu dali o mais rápido possível. Mas não antes de voltar-se para o tal gerente e agradecer a ele com um minguado sorrisinho amarelo. E lá se foram dois longos meses de aperto e restrições até que conseguisse equilibrar de novo o orçamento da família.
Bom, é claro que nem todo mundo é tão distraído assim, mas que a maioria dessas facilidades faz com que se criem necessidades extras, absolutamente desnecessárias, ah, isso não se pode negar!

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