terça-feira, 21 de novembro de 2006

Crônica dos doze anos

Meditando, a cada nova experiência, desenvolvo um novo olhar sobre as coisas. Assim, crio meus conceitos e signos. O mais recente (e talvez o mais curioso), é que a vida é constituída de pequenas mortes. A cada ano que passa, ao comemorar mais uma data natalícia, o indivíduo soma às conquistas, às realizações e aos sonhos que teceu ao longo dos doze meses vencidos, as pequenas mortes que lhe aconteceram.

As concessões que fez; as mudanças que sofreu ou que realizou, deixando para trás velhos hábitos ou o antigo lar; as vezes que teve que calar; as oportunidades que deixou passar; os prazeres que abdicou em nome de outras prioridades; as pessoas que se foram... Tudo isso constitui uma perda para quem viveu.

E porque o homem tem o estranho hábito de focar o lado negativo das coisas e dos fatos, poucos são os que ficam satisfeitos com o que a vida lhe oferece, entre vitórias e derrotas, acertos e erros, presenças e saudades. Cada perda representa uma pequena morte.

“Eu não sei perder!”, disse um amigo que, ressentido com a recusa da mulher por quem havia se interessado, mudou radicalmente alguns hábitos (para não vê-la mais). Encontrá-la, na sua concepção, seria ter que admitir para si mesmo que havia perdido e, como ocorre à maioria, “perder” doía mais do que o fato de não ter consigo a pessoa amada.

Mas a vida terrena é um eterno convite ao desprendimento. Um exercício constante para o momento em que teremos que devolver tudo o que, de fato, não nos pertence para o verdadeiro dono. Até o corpo vamos deixar para trás. É uma ilusão nos apegarmos tanto às coisas, às pessoas e aos fatos, por que tudo passa. E nós crescemos com isso! Com o tempo vamos aprendendo que só o amor é real. Só o amor permanece.

Outro dia, recebi uma ligação de minha filha durante o trabalho. E fiquei repassando na mente sua vozinha de menina. De repente, me veio uma vontade imensa de parar o tempo bem ali. A doçura e a pureza de sua voz me despertaram o desejo, tolo desejo, de evitar que ela crescesse, que se tornasse adulta, que sofresse suas dores e se fosse para longe, na construção natural de sua própria existência.

Mas antes que o sofrimento e o medo se instalassem em meu coração, a razão me chamou para olhar ao redor e ver o movimento harmonioso da vida. Até a árvore, me disse ela, que finca profundas raízes sob a terra, não prende em seus galhos os frutos saborosos que produz. Antes, permite que se desprendam, um a um, e completem o ciclo da vida a que devem obedecer...

Estou aprendendo a lição. Há dois dias (19 de novembro), minha pequena completou seus doze aninhos de vida. E parece que foi ontem que se vestiu de princesa para dançar com o pai a valsa de um conto de fadas...

Ainda conserva traços de criança. A vozinha infantil vez em quando aparece. Mas sei que já guarda seus segredos, tece sonhos diferentes dos meus e alimenta desejos que nem adivinho. Minha menina está cumprindo o ciclo natural da vida e fico feliz com isso. Ao invés de intentar reter o seu crescimento, quero crescer com ela, revivendo as fases que já passei – agora como mãe.

Peço a Deus lucidez e sabedoria para ajudá-la a enfrentar as pequenas mortes que inevitavelmente vão lhe acontecer – a fim de que viva em plenitude todas as etapas da vida, guardando as lições que trazem e sedimentando a existência a cada nova aprendizagem. Se eu conseguir fazer dela uma pessoa de bem, já me dou por satisfeita. E seguirei feliz, apesar das perdas.
@para Maya.

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