sexta-feira, 24 de novembro de 2006

O ancestral (para ser lido em voz alta...)

Reuniu-se em torno de sí
uma grande multidão de gente,

então deixou que a mente prodigiosa

conduzisse aquela prosa
e foi desatando seus causos,

o caboclo Zé Raimundo,
como se fosse um rosário
rezado desde que o mundo é mundo...
E ele começou assim, visse? Bem assim...

Pra mim não importa agora
se acreditais no eu que digo
pois o que vou vos contar
não carece explicação.
Mas, sei não, visse? Sei não!
O cabra que for meu amigo
em tudo me bota fé
e escuta bem caladinho
pra ver se é ou não é...

Pois acreditem vosmecês
que eu descobri outro dia
na hora mais tarde da noite
o bicho mais antigo
que meus olhos já puderam ver:
um insetinho esquisito
com asas pouco crescidas
de uma cor indefinida
entre o amarelo e o marrom.

Tinha quatro pernas peludas
calçadas em botas compridas,
duas antenas bem curtas
e uma cara esmilingüida.
(E não é invenção minha, não, visse?
Essa criatura esquisita.
Mas uma invenção divina
com cara de borboleta
e toda cheia de vida.)

Encontrei-a distraída
quarando em noite de lua
num copo de azeitona.
As quatros pernas estendidas
pros quatro cantos do mundo.
E ela nem aí, visse? Nem aí!
Nem comigo, nem consigo
nem com quem se chamasse
Raimundo.

E eu achei foi graça!
Sorri à vontade com o seu desleixo,
a sua pose de matrona,
as quatro pernas peludas
e as botas de cano longo...
Dei meia volta, dei de ombros e saí.

Nem aí com sua esquisitice.
Nem aí, visse?
Nem com ela, nem com esse tal de Raimundo.


@ da Série "Causos de Zé Raimundo".

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