terça-feira, 9 de janeiro de 2007

Pequenos milagres

Há pessoas que passam pela nossa vida na velocidade de um relâmpago, mas com a intensidade e a força de um tufão. Algumas aliviam dores, promovem mudanças e apontam caminhos. Outras fazem aflorar sentimentos mágicos no coração dos que lhe compartilham um trecho da caminhada. E outras há ainda que, sem a menor pretensão, mudam o rumo da nossa trajetória com sua breve passagem.

Nesse instante, vem-me à mente a figura de uma mulher que conheci a alguns anos, em uma pequena cidade do interior pernambucano. Muito pobre, seu nome era desses mais comuns que se ouve por aí... Eu vinha em busca de um refúgio e de braços que me acolhessem naqueles dias difíceis, quando encontrei Zefinha, toda chorosa, no chão da sala de estar da casa de minha irmã.

Comovida com aquela cena, sentei-me ao seu lado, após ter sido apresentada a ela, para ouvir sua história e compreender o problema que a afligia e que parecia ser bem maior que o meu: Aos trinta e poucos anos, a moça, grávida de gêmeos, estava apavorada com a idéia de morrer de parto, como ocorrera, quinze dias antes, com uma moça de 21 anos (em lugares assim, as mulheres são atendidas por parteiras na hora de ter menino). Curiosamente, mesmo apresentando certa deficiência mental (falava como se fosse uma criança), já tivera cinco filhos. Sem instrução, Zefinha recorria a minha irmã, nos seus aperreios.

Seu medo era tão grande que nada do que dizíamos tinha o poder de demovê-la do desespero em que se encontrava. Sentindo-me também desamparada, já que trazia o coração em nuvens, e impotente diante da dor daquela mulher, um sentimento de piedade muito grande tomou conta de mim e comecei a chorar.

Vendo-me ali, chorando à sua frente, sentada no mesmo chão que ela, Zefinha me abraçou aflita, esquecendo as sombras que também trazia no peito e falou na sua voz infantil: “Poquê tu ta cholando, mulé? Chola não! Se tu cholá, eu vou cholá também”. E desatamos as duas num pranto só, acompanhadas por Thereza. Chorávamos (e ríamos também), cada uma, a sua dor e a dor alheia... E assim estabeleceu-se o encontro de três corações, numa solidariedade feminina.

Meses depois, quando lá voltei, reencontrei Zefinha na rua, toda arrumada, exibindo alegremente as grandes vagas de gengiva entre um dente e outro. Estava irreconhecível! Já não trazia o ventre crescido e parecia radiante. Correu para me dar um abraço e dizer que tudo foi bem no parto. Os bebês nasceram fortes e sadios. Coisa que eu já sabia, pois sempre perguntava por ela.

Mas, enquanto me abraçava, Zefinha tinha uma preocupação. De cenho franzido perguntava, repetidas vezes, na sua linguagem peculiar: “Mô fio, tá bem, ta? Mô fio tá bem?” Sim, eu estava bem. Aprendera com Zefinha que os guerreiros também choram e se sentem impotentes, algumas vezes, mas seguem em frente, dando o melhor de si nas batalhas da vida.

Depois daquele primeiro encontro, eu fui para a casa de Ana, minha outra irmã, onde procurei me fortalecer. Por uma semana, ao acordar, sentava silenciosamente em frente à pitombeira do pomar e meditava por alguns instantes, terminando sempre com uma oração.

A pitombeira – que em um determinado período do ano perde toda a folhagem, restando apenas os galhos secos –, também me ensinou uma grande lição: há momentos na vida que nossas forças se esvaem de um jeito que parecemos “morrer”. Mas, quando nos sintonizamos com o movimento harmonioso da criação divina, as forças em nós se renovam e a alegria desabrocha mais uma vez.

Portanto, como a folhagem viçosa que renasce na copa da árvore, preparando a chegada dos frutos, repetidas vezes, continuei prodigalizando as flores que nascem das sombras do meu coração.

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