Lembrando a canção de Renato Teixeira, deixo escorrerem as lágrimas com que alivio a alma quando penso na urgência de viver que inquieta a juventude. Como árvores ceifadas pela chuva extemporânea, em plena florescência, os jovens correm contra o relógio, se entregam a aventuras inadiáveis, esvaem suas forças na exaustão de prazeres efêmeros e apostam todas as fichas no “aqui e agora”, anoitecendo a vida, muitas vezes, ainda nas primeiras horas do dia...
Se não tivesse uma compreensão mais ampla e uma confiança sem tamanho nos desígnios de Deus, eu me deixaria abalar bem mais a cada notícia dessas que me chega. Porque não há nada que nos confisque mais a alegria do que saber da morte. A morte na juventude, então, é das que mais impressionam.
Foi com surpresa e dor que recebi, há alguns dias, a notícia da partida de um ex-aluno meu, de quando ensinei Fotografia no curso de Publicidade e Propaganda da FAA/AESA, em 2004. Bonito, inteligente, cheio de confiança em seu potencial criativo, Marcel tinha apenas 20 anos e um futuro promissor pela frente. E tinha uma vivacidade nos olhos, a alegria de viver estampada na face...
Não sei muito bem o que aconteceu; sei apenas que voltava de uma festa no interior, quando o veículo que dirigia colidiu com outro. Há menos de um mês, li em sua página de Orkut algo em que dizia que talvez já fosse hora de voltar para Maceió (estava vivendo a tão sonhada independência, em Aracaju). E me pergunto se já não era um pressentimento do retorno, a um “lugar” bem mais distante, que ele iria realizar... Como saber? Tudo que sei é que tem pessoas que não combinam com a morte. Marcel é assim. Não consigo imaginá-lo que não seja com um sorriso no rosto ou um brilho de astúcia no canto do olhar – algo que lhe era bem peculiar.
“Todo mundo ama um dia, todo mundo chora; um dia a gente chega, no outro vai embora”, diz o poeta, traduzindo a dinâmica da vida e o sentimento dos que passaram por aqui e daqueles que ficam, tentando imaginar agora para onde esse menino possa ter levado a graça do seu sorriso. “Penso que cumprir a vida seja simplesmente compreender a marcha e ir tocando em frente”, sugere a canção. “Conhecer as manhas e as manhãs, o sabor da massas e das maçãs”...
“É a urgência de viver que acelera o motor da juventude”, digo, olhar distante, à amiga que me traz a notícia. E sei do que falo, porque já fui assim. Eu também senti essa urgência inquietante, na adolescência: a eternidade no prazer de um instante. Às vezes, tinha medo da força do instinto de liberdade que trazia dentro de mim. Mas, fiquei por aqui... Porque estava nos planos de Deus que permanecesse ainda mais um pouco. Talvez, para aprender a caminhar sem pressa; a conquistar, sem briga, o meu espaço. Para aprender que a vida é mais simples. Ou, quem sabe, era para ser a voz daqueles que não podem mais se traduzir; dos que se vão sem tempo para as despedidas; sem tempo de dizer o quanto a vida lhes é cara.
E é por que ainda estou por aqui, que hoje desenvolvo um olhar novo sobre as coisas e posso sentir o sabor da vida, seu peso e sua leveza, no compasso do poeta, que declara, em versos, a chegada da maturidade: “Ando devagar por que já tive pressa e levo esse sorriso por que já chorei demais”.
“É preciso amor pra poder pulsar, é preciso paz pra poder sorrir, é preciso chuva para florir”, ensina a canção, e é o que deixo aqui para aqueles que foram atingidos pela mesma flecha que feriu meu peito aquele dia. E, porque acredito na continuidade da vida, aqui e além, endereço o meu abraço ao aluno de outrora, e aos seus, nas palavras do poeta: “Cada um de nós compõe a sua história e cada Ser, em si, carrega o dom de ser capaz... e ser feliz”. Amém.
Para Marcel Brandão.
Um comentário:
Querida Yvette, como já disse palavras doces e de conforto. Ele se foi e nós ficamos com a lembrança de um ser maravilhoso.
Abraços
De sua leitora
Camila
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