quarta-feira, 25 de abril de 2007

Garrafas ao mar

Nunca mais te escrevi, João.

E só então me dou conta de que sinto falta da desembocadura certa das minhas palavras: teus ouvidos amigos que me escutavam sempre – os olhos atentos a cada mensagem lançada ao mar; a cada gesto meu.

Tu adoravas responder às minhas cartas, lembras? Mas te calaste de repente. Porque escrevias a outrem, talvez...

O mar não está pra peixe, querido, eu sei. Na verdade, ele mal recebe as minhas garrafas: grávidas de idéias desimportantes. Porque minhas idéias não valem muito, é o que dizem os infelizes por aí. Mas valem muito menos quando as escondo no fundo de meus silêncios ou as confino em gavetas sem fundos.

Por isso escrevo desde o sempre.

Porque ainda acredito na linha do infinito que desenha o horizonte. E olho lá para frente, sempre! Ainda creio na delicadeza do arco-íris, se é que me entendes. Aliás, eu nunca deixei de considerar o arco-íris, embora não o perscrute mais nos céus.

Há dias que correm sem muita certeza. E o que se vê é uma indecisão da natureza, que não sabe se chove ou faz sol. Mas é exatamente nesses dias que o arco-íris aparece, renovando a esperança de quantos o observem. Mas eu nunca perdi a esperança, sabe? Nunca! Apenas fraquejo, às vezes, como todo mundo.

Mas agora que me encontro diante de ti, mais uma vez, eu me sinto um pouco mais forte. Como se voltasse às origens, sabe? Como se estivesse novamente protegida por teus olhos compridos e companheiros. Pelos braços que me abraçam por inteiro. Lembra disso?

Sabe, João, eu não tenho encontrado sonhos que acendam o prazer do descanso, últimamente. Tenho andado acordada, entende? Desperta além do normal. E na minha vigília não há espaço para fantasias: a vida corre inteira e a é aspirada num fôlego só.

Talvez por isso, não tenha te enviado mais as minhas mensagens em garrafas, embora ainda acredite nelas; embora precise muito da ludicidade desta prática; embora ainda sinta o frescor da brisa brincando com os meus cabelos e uivando palavras indecifráveis aos meus ouvidos...

Mas agora, eu vou ficando por aqui. É que estou cansada, sabe, e meus olhos já não acompanham com o mesmo sincronismo a disposição das palavras. Como se elas precisassem da minha vontade para serem escritas... Como se já não existissem antes mesmo de serem pronunciadas - antes de deitá-las sobre o papel... Como se fosse possível não querer dizê-las...

Besteira, meu amor! Vou apenas fazer uma breve pausa nesse amontoado de sentimentos e saudades. Dar um tempo, como diz o jovem, para que me desejes ler outras vezes. Para que o gesto nasça da vontade, como o poema prescinde do poeta para existir. Para que sejamos, ainda uma vez, um do outro e o outro desse. Até quando, eu não sei, mas aposto na Eternidade.

Com amor,
Maria.

P.S.
Para quem não sabe, este blog surgiu das cartas que Maria* escrevia para João. Ao acessar as primeiras publicações, o leitor entenderá melhor a proposta inicial. Porque há muito não se escreve cartas, repletas de sentimento, como em tempos atrás...

*(Maria Moura - poetisa).

Nenhum comentário: