terça-feira, 8 de maio de 2007

Anotações sobre as mínimas coisas que fazem o fluir da vida

- “Aqui eu fico!” disse o mais velho, mostrando o bingo da esquina, com um brilho novo no olhar.
- “Aqui eu fico!” ajuntou o mais jovem, indicando um bar no outro lado da rua. Mas foi logo se apressando em justificar o real motivo de sua escolha: “Olha que lapa de pernas!”

E eu, que já me sentia desprestigiada com tais comentários, procurei logo um lugar interessante em que também desejasse ficar, entrando na brincadeira dos colegas. Foi quando vi aquele marzão cor de azul turquesa bem na linha em que seguia o nosso carro que eu declarei sem nenhum titubeio: Aqui eu fico! Vou tomar um banho de mar.

Mas o motorista permaneceu em silêncio – o olhar fixo na linha imaginária por onde conduzia o automóvel –, alheio à nossa conversa. Talvez porque não tivesse motivo algum para brincar aquele dia. Ou porque não soubesse oxigenar a mente com a singeleza desses pequenos desejos...

Mas ainda não foi daquela vez que ficamos ali: cada um entregue às suas afinidades. Eu, quarando ao sol sem qualquer compromisso, inalando fundo o cheiro de maresia – um cheiro que aciona a minha memória emocional. Lembra a adolescência em Olinda-PE, quando pegávamos o Casa Caiada lotado, no retorno da escola, eu e meus irmãos: a fome gritando no estômago e o nariz sorvendo o cheiro que vinha da praia de Bairro Novo – uma mistura de sargaço com água salgada.

Apenas uma semana depois é que pude me dar ao deleite de abrir um parêntese no dia para alimentar a alma das mínimas coisas que fazem fluir a vida...

Por isso, só agora observo o mar em um final de manhã: calmo, maré baixa, ondas suaves passam silenciosas por duas mulheres que conversam distraídas: uma conversa longa, de uma amizade igualmente extensa. Mais adiante, um casal desliza sobre as águas em um caiaque: ela na proa, dourando ao sol, enquanto ele rema incansável, olhando sempre para frente.

Mais para a esquerda, outra dupla caminha em direção ao mar num diálogo afiado: talvez sejam marido e mulher aproveitando o cenário paradisíaco para discutirem a relação. Talvez sejam pai e filha... Talvez não.

Na areia, sob um guarda-sol colorido, dois rapazes travam um papo animado de velhos companheiros. À direita, um pouco mais para trás, vários homens sorriem frouxo, numa prosa escrachada, regada a cerveja e cachaça.

Na quebradinha do mar, um vendedor de picolé se apóia sobre o seu carrinho e espera: a mente passeando por outro lugar que não esse. Onde andarão os pensamentos do picolezeiro? Será que está enfastiado de tanta abundância? Ou sonha com um dia de lazer em família? Um dia de praia, talvez...

Mais atrás ainda, já no calçadão, à minha direita, está um cacto meio deslocado dentro de uma caqueira sem graça. Quem o terá colocado ali? Ele que nasceu para matar a sede dos que nunca viram o mar, será que suas carnes úmidas tremem como as do sertanejo diante de tanta água? Do seu canto, observa meio acabrunhado o existir alheio – a velocidade desconcertante da vida que reina ao seu redor.

Agora o caiaque chega à margem, empurrado pelas marolas, e as senhoras, com água até a cintura, continuam aquela conversa comprida, que precisa de muitos mergulhos para se esgotar.

O casal que discutia agora se abraça envolvido pela água salgada: eles são mesmo marido e mulher. Ou, pelo menos, namorados. Mas ainda não sei sobre o que tanto falavam antes.

Tudo que sei é que estão mais calmos depois do mergulho e dos beijinhos que trocaram.

Quanto a mim, porque o leitor deve estar curioso, tomo um suco de ameixa com leite e xarope de guaraná em uma barraca da orla da Ponta Verde e, enquanto espero dar a hora do próximo compromisso, coleciono no meu caderninho as mínimas coisas que fazem o fluir da vida.

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