terça-feira, 1 de maio de 2007

A carta de Maria

Talvez porque o lirismo esteja em baixa ou porque o corre-corre da vida moderna acabe deixando as pessoas mais práticas, mais inacessíveis, mais telegráficas, é que não se escreve mais cartas como antigamente...

Talvez porque essa prática nem exista mais ou porque eu não tenha vivido em uma época assim – quando as pessoas se escreviam com tanto sentimento e regularidade –, foi que senti vontade de revitalizá-la: há um ano dei de escrever cartas de amor. “Porque toda Maria tem o seu João particular”, como dizia Maria Moura (uma criatura muito interessante que eu conheci numa noite fria de outono, em uma pequena cidade do velho continente, lá atrás).

Misteriosa como uma coruja, possuidora dos olhos mais tristes que eu já vi, paradoxalmente, aquela mulher tinha o olhar mais enigmático, profundo e lúcido que eu já conheci. Trazia na alma a idade do tempo (aquela que se perde pelos ecos da existência humana): não era nem nova nem velha; não era triste nem feliz: era poeta.

Arrumando o guarda-roupa, outro dia, encontrei a minha ‘caixinha de guardar coisas’ (imagino que cada um tem a sua). Entre as coisas tantas que guardei – pedras, flores, etiquetas de camisa, tiras de papel, fios de cabelo, cotocos de lápis e vela, velhas fotografias... –, achei o Baú dos 7 Mares (pequeno regalo que ganhei). Dentro, uma das cartas que Maria escreveu para João: o seu João particular.

Então fui tomada por uma emoção tão grande que decidi transcrever aqui um trecho do que nela estava escrito. Mas se acharem que foi pura pieguice minha, por favor, desconsiderem esta carta de imediato e façam de conta que leram, por engano, umas “mal traçadas linhas” endereçadas a outrem. Agora, se algo nela vos chamar a atenção, como se falasse ao íntimo do vosso coração, então fiquem à vontade para lê-la várias vezes, como se tivesse sido escrita por uma saudosa amiga vossa.

Porque há cartas que escolhem o seu destinatário antes mesmo que o remetente... Vejamos:

“Coisa mais linda, meu amor, é saber que tu sorris, ainda que entre lágrimas. É pressentir a tua voz cantando o movimento da própria vida, ao compreender que tudo passa. A única coisa que fica dessa jornada, querido, é a réstia das nossas pegadas. As tristezas, as alegrias, os acontecimentos, o amor que sofremos, as coisas que ouvimos e dissemos distraidamente, os sonhos que tecemos com alguém... Nada volta atrás. Tudo isso também passa.

Aprende comigo, querido, que emprego energia no que falo, que diluo sentimentos em versos de amor, que nem sempre digo o que penso, mas não minto com as palavras: A vida é uma aventura sem fim e o pulsar dela em nós é tão real que não nos deixa saída: é se entregar.

Então chora as tuas dores através das palavras, como se fossem pedras lançadas ao mar. Fala o teu amor com gestos inesquecíveis. Dilui as dificuldades todas que tens, escrevendo...

Mas não deixa a lacuna dos silêncios ganhar espaço. Porque a palavra que anseia por ser dita, mas que o teu coração, por medo ou orgulho, como uma armadilha, cala, pode aprisionar...

Ama, João! Porque a falta de amor adoece. E este é o único sentimento que liberta a alma. Mas não te percas de ti, ouviste? Assim como faço com este amor que te dedico, intenso e verdadeiro, mas que me pertence a mim plenamente.

[...] E por hoje é isto o que te tenho a dizer. Guardo para depois o que minh’alma, por cuidado ou pudor, neste momento omite. O muito que me corre aqui dentro te chegará aos poucos, em cartas outras, cujo tema será sempre o amor – esse imenso amor que nos une.

Mas uma vez, querido, te beijo os olhos cansados, para dissipar as sombras que nos encobrem pela distância e a saudade.

Com amor, sempre tua, Maria.”

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