terça-feira, 25 de setembro de 2007

O fabuloso código de família

Neste fim de tarde, em que a luz tênue do pôr-do-sol se despede do meu jardim e a melodia suave de minha coletânea de jazz ecoa por toda a casa, deixo-me conduzir pelas fibras sensíveis do coração a fim de que seja este que vos fale, e não a minha mente, quase sempre extenuada ao final de uma semana de compromissos.

Escrevo da minha sala de estar – lugar que reúne em cada canto um detalhe, por mínimo que seja, denunciando a dinâmica familiar que tenho criado com minhas filhas. As pedras do jardim, os quadros em foto-colagem, as panelinhas de barro trazidas de Muquém, o arranjo de flores do campo colocado sobre a mesa, tudo traz uma história particular que se soma à nossa. O som do mensageiro anunciando a brisa, as gargalhadas soltas de Maya, as mil e uma histórias de Jade, as passadas do Ping pelo corredor, são sons que fazem parte do nosso cotidiano e compõem o nosso código familiar.

Esses detalhes ficarão gravados em nossas mentes por toda a existência e a lembrança deles vai nos salvar nos momentos mais difíceis, nos remetendo ao aconchego do Lar e à nossa verdadeira essência. Como me contou Manoelzinho, cujo pai livrou-se de uma idéia suicida, com o revolver já em punho, ao lembrar-se do doce e amoroso filho: esse meu amigo.

Penso que, no momento por que passa o nosso planeta, em que essas referências estão sendo destruídas pelas guerras, maculadas pelos conflitos urbanos, distorcidas pela corrida desenfreada aos bens materiais, apagadas pelas drogas, uma das coisas de que as pessoas mais precisam é de algo que lhes norteie a existência, dando-lhes um sentido para se manterem vivas.

Acredito que só o amor é capaz de reconstruir a vida de alguém que foi destituído do que há de mais sagrado para um ser humano: o direito de ter uma família, um lar harmonioso, motivos para sorrir e esperança para tecer seus sonhos. Um sentimento reparador que é uma necessidade absoluta para todos, do mais rico ao mais humilde dos mortais, ninguém vive sem amor!

Como comprova o menino de Serra Leoa, Ishmael Beah, que teve a inocência roubada pela guerra civil quando tinha apenas doze anos de idade, em janeiro de 93. Depois de fugir durante dias e noites para não ser morto pelos rebeldes, como ocorreu aos seus familiares e amigos, ele foi capturado pelo exército do governo e se tornou um menino-soldado. Experiência que, estranhamente, lhe sustentou a vida dos 13 aos 15 anos, embora tenha deixado seqüelas irreparáveis.

De vítima passou a algoz, matando sob o comando de adultos, consumindo drogas e buscando na violência um meio para fugir da morte e dos “fantasmas” que o acompanhavam. Mas foram as lembranças anteriores àquela época – que ficaram guardados em algum recanto inviolável da sua mente –, que o salvaram dessa roda-viva e lhe devolveram a dignidade, após o extenso trabalho realizado pela equipe do Unicef que o resgatou.

Este ano, o jovem africano publicou sua história em livro, compondo uma narrativa tão rica que a mente humana jamais seria capaz de recriá-la com igual teor emocional por meio da ficção. Mas tudo isso só foi possível por que Ishmael re-significou o seu código de família, a partir da ajuda fundamental da contadora de estórias norte-americana Laura Simms, que o adotou como filho em 1998, quando ele conseguiu fugir definitivamente da guerra.

Aos 26 anos, Beah vive em Nova York, é bacharel em Ciências Sociais, membro do Comitê de Direitos da Criança de uma importante ONG americana e participa de diversos encontros internacionais sobre esse tema. Como ele próprio diz, “o passado, o presente e os sonhos me fizeram ser quem eu sou hoje”. O amor o resgatou do inferno e deu a ele um novo motivo para manter-se vivo: a literatura.

2 comentários:

Unknown disse...

CARA Yvette,

gostaria de parabenizar pela beleza das suas palavras, também como você compartilho tudo o que valoriza o amor, deixei para trás a visão pesimista do mundo e me dedico a procurar a mensagem de Deus em cada fato da vida minha e dos outros, compreendendo que somos todos estudantes da faculdade do amor neste universo materialista onde o egoismo é causador de todo mal, mas extremamente necessário ao prógresso do amor no individuo e assim,começando a amar a si próprio de maneira ainda grosseira, o ser humano começa a dar os primeiros passos no amor ao próximo, pois, só é possível dar o que se tenhe. desta forma a leitura agradavél e bela das suas palavras tocou profundamente meu ser enxendo-me ainda mais de esprença num mundo melhor. parabéns

Yvette Maria Moura. disse...

fico feliz, Gl�ucio,
que essas palavras tenham chegado ao teu cora�o sens�vel e espiritualizado, cujas escolhas (como as minhas) j� trilham os caminhos do amor.
� sempre bom poder compartilhar o que sentimos e acreditamos com os outros.
obrigada pela sua visita.
volte sempre!