quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

De frente para o espelho

Vem! Agora dá aqui um longo abraço e aceita que eu te ame como a um irmão.

Então, somos só nós dois! Nós e essa multidão inteira aí a nossa frente, do lado de cá, do outro, atrás... Em derredor. Somos esse encontro de almas que estagiam no mundo, em busca de si mesmas – todas desejando uma cara-metade. Somos sozinhos e somos um conjunto. Uma massa uniforme, embora as falhas e a diversidade. Um grande bolo humano, que, a cada qual, apetece de uma forma.

Somos um em direção ao Todo, subindo e descendo a escadaria da alma. Procurando e “batendo” num jogo sem fim de Esconde-Esconde, Trinta e Um Alerta, ou qualquer outra dinâmica lúdica que nos ensine, brincando, a empreender a busca.

Somos as mesmas crianças curiosas de outrora. Somos confusos e carentes. Voluntariosos. Arvoramo-nos a ser o “inimigo” sem a menor reserva, mas tudo o que desejamos, no íntimo, é conhecer o amor. Receber amor. Desde que não seja algo pré-fabricado; desenvolvido em série; vendido em varejo ou nas prateleiras de um supermercado.

Tudo que precisamos, de verdade, é vivenciar o amor. Entregarmo-nos ao amor. Exercitarmos o desprendimento de depositar em mãos alheias o sentimento que é cultivado nas próprias entranhas da terra fértil do coração – esse dengoso órgão que gosta de adular e de ser adulado; tocar e ser tocado. Gosta de compor a música da vida, sentir a musicalidade dos outros seres e ser o próprio existir personificado em batidas rítmicas...

Tudo que eu quero, de verdade, no breve instante em que escrevo, enquanto o tempo escorre solto pelas minhas mãos, é ser esse talvez: a possibilidade que se abre, diante de cada um dos parcos leitores que gastam o seu tempo tentando me entender, para conhecer algo novo.

Tudo que há em ti, amigo confidente, me interessa. O teu silêncio, tua cumplicidade, a tua companhia leal e sincera, o teu desejo infantil de ir comigo um pouco mais além; de percorrer comigo esse mundo que é só meu, mas que, às vezes, deixo a porta entreaberta, para que possas, ainda que por um lampejo, vislumbrar.

Sou este quarto escuro que, ás vezes, se ilumina para ti; que se permite ser olhado, ainda que na penumbra; que se desveste de seus pudores, tira suas máscaras e se mostra, como se ganhasse o espelho das águas plácidas e mansas de adormecido lago azul...

Deixa que eu te fale, agora que estamos a sós, sobre a passagem dos anos, sobre os sonhos que deixei à margem, lá atrás. Também sobre as andorinhas que libertei do escuro das minhas mãos. Afinal, de que me serve o gorjeio dos pássaros, se a linha do horizonte deitada no espalmar da Terra não os inspira mais a cantar quando é chegado o pôr-do-sol?

O que pensar dos discursos que nada dizem? Das promessas que não se fazem cumprir? Dos gestos vazios e sem intenção? O que eu quero, de verdade, é romper a cegueira dos olhos, fortalecer os passos no Bem e ter a ousadia de sorrir sempre, embora os choros e o ranger de dentes...

Não! Eu me recuso a receber migalhas de corações levianos; veneno de mentes invejosas; escárnio de criaturas infelizes... Eu quero o sorriso, ainda que entre lágrimas; com gosto salobro, mas a alegria de viver. Quero a métrica perfeita do mais belo de todos os poemas: o amor maior. Aliás, o amor é tudo que eu preciso para ornar este momento que é apenas meu e teu. A intimidade que faltava na minha relação com o mundo, e que me faz manter os olhos abertos, sem vergonha, na hora de encarar os teus...

E tudo por que eu te enxergo como a um igual; falho e belo, como eu; um filho de Deus.

Vem! Agora dá aqui um longo abraço e aceita que eu te ame como a um irmão. Não! Mais que isso. Aceita que eu te beije um lado da face, como se o fizesse a mim mesma. Ou melhor, deixa que eu me curve diante de ti, como se encontrasse em teu semblante alguma semelhança, bem familiar, com a face de Deus.

@pontuando o meu aniversário...

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