domingo, 3 de fevereiro de 2008

Longe de casa...

Onde quer que esteja, o pernambucano vai sempre se sentir um peixe fora d’água...

Disse o velho Sama, em seu Estuário, que o pernambucano “tem uma perturbação na alma”. E aconselhou a deixar bem quietinho o folião que, por motivo de força maior, como ele, vai passar o carnaval longe de “casa”. Não adianta tentar enganá-lo, fazer de conta que não é carnaval, dizer que a festa tem todo ano, ou lançar mão de qualquer outro argumento para amenizar o seu sofrimento, porque o desinfeliz vai sofrer do mesmo jeito.

O Frevo vai continuar correndo em seu sangue, “frevendo” o juízo do coitado, desassossegando o seu coração, cutucando o pobre – do calcanhar à ponta do pé –, até que ele se sinta a pior das criaturas por estar longe da terrinha e prometa para si mesmo que nunca mais vai permitir que isso aconteça no período momesco. Onde quer que esteja, o pernambucano vai sempre se sentir um peixe fora d’água...

Sabe, faz tempo que não brinco o carnaval (e muito menos em Recife ou Olinda), mas concordo plenamente com o que diz o amigo. Porque a paixão pelo frevo é algo que se carrega até os últimos dias... E digo isto não com tristeza ou nostalgia, mas com a alegria de quem conhece o poder de uma arte secular circulando no sangue do cidadão.

O que me entristece são os apelos sensuais dos que fazem do carnaval a “festa do pode tudo”. Entristece-me o convite livre ao consumo desenfreado de bebida alcoólica e, conseqüentemente, os desajustes, os abusos, as provocações, as brigas e toda sorte de práticas violentas e desequilibradas que decorrem da alteração dos foliões por conta do uso dos tais aditivos químicos permissivos. Isso, sim, me entristece demais!

Sem álcool o carnaval fica muito mais bonito e é muito mais divertido, pode crer! Nos anos que brinquei, eu era a foliã mais animada, além de exímia passista, ingerindo apenas água mineral para manter o fôlego e desfilar as fantasias no meio da massa. Trazia o frevo no pé sem me cansar e sem perder nenhum momento de alegria. Era muito divertido...

Hoje, eu tenho outra compreensão sobre o carnaval e não cultuo mais a festa de Momo como fazia aos vinte anos, mas continuo uma eterna apaixonada pelo frevo. Outro dia, cumprindo a pauta com o senhor Osmário (ou simplesmente “Seu Ozzy”, como eu chamo), motorista de O Jornal, passei a tarde chacoalhando dentro do carro, ao som de Alceu Valença cantando frevos. Sabedor da minha pernambucaneidade, Seu Ozzy me olhava sorrindo pelo canto dos lábios, satisfeito por ver que o seu CD tinha agradado.

E eu me lembrei do tempo em que namorava Júnior Nigro, em Recife, e passava os dias de domingo na praia de Boa Viagem... Ao meu lado, enquanto caminhávamos pela areia, me olhando maliciosamente pelo canto dos olhos, ele cantarolava o ritmo básico do frevo, divertindo-se com a agonia em que eu ficava: doida para “frevar”!

“Tum-dum, Tum-dum, Tum-dum...”, repetia o mocinho, praia afora, sorrindo largo com o meu desassossego. Aperreio que só passava quando encontrávamos algum bloco mais na frente e eu podia deixar os meus pés deslizarem livremente sobre o asfalto, ao som contagiante do Frevo. Ou então, quando ele se cansava da brincadeira e me convidava para um delicioso mergulho nas águas verdes daquele mar. Tempos bons...

Mais de dez anos distante do vuco-vuco em que se torna a capital pernambucana nesta época do ano, e sem a mesma sintonia de antes com a festa, eu já não tenho tanta disposição psíquica para ir atrás do colorido ilusório com que Recife se reveste no período carnavalesco, mas reconheço que é um belíssimo espetáculo.

Diante disso, e com o sangue pernambucano latejando nas veias, não tinha como ser diferente aquela tarde em que atravessei Maceió, entre uma pauta e outra, fazendo movimentos fortes com os pés, da ponta para o calcanhar, no salão apertado do carro de reportagem, ao mesmo tempo em que tentava acompanhar a voz vibrante de Alceu.

O melhor de tudo foi que, além de trabalhar com alegria e muito bom humor, ainda ganhei um belo presente do meu colega de trabalho. Ao final do expediente, pegando-me de surpresa, Seu Ozzy comunicou que havia gravado um outro CD daquele e iria me presentear assim que chegássemos ao jornal.

Se eu fiquei contente? Aff! É só reler aquela parte em que eu falo sobre os domingos com o Nigro na praia de Boa Viagem para tirar a dúvida. Ou então aguardar que eu escreva sobre o carnaval que passamos em um velho casarão, em pleno Quatro Cantos de Olinda, com as troças e os blocos subindo e descendo à porta de casa...

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