quinta-feira, 17 de abril de 2008

Pequenos milagres

"As flores estão por toda parte e eu não posso ver!”


Quando eu disse ao amigo, ao encontrá-lo “casualmente” na última semana de 2006, que iria investir na Literatura – e entenda-se o “investir”, aqui, como enveredar corajosamente por um caminho de poucos louros e muita crítica –, ele vaticinou no mesmo instante:

- Você sabe que, na Literatura, fica-se refém de si mesmo, não é?

Respondi que sim, mas confesso que não sei se compreendi o significado exato daquela advertência. Percebo, no entanto, que isso, agora, já não faz a menor diferença porque fazer literatura é um caminho sem volta. Explico: mesmo que eu não queira, os textos vão sendo formulados na minha cabeça quase que o tempo todo. Não importa onde esteja nem o que esteja fazendo, eu simplesmente começo a pensar sobre um determinado assunto e passo a destrinchá-lo mentalmente. Sem que faça por onde, necessariamente, palavras-chave, frases e, às vezes, parágrafos inteiros vão sendo formados nos recôncavos da mente, quando algo me impressiona ou chama atenção.

Então, pego o primeiro pedaço de papel que encontro pela frente (aprendi a andar com um bloquinho e uma caneta sempre ao alcance das mãos) para anotar ou corro para o computador na ânsia de dar um direcionamento às palavras, que ficam me percorrendo por dentro como sangue oxigenando o cérebro. Antes que uma opção, escrever, para mim, é uma necessidade. Será que foi isso que Arnaldo chamou de “ficar refém”?

Eu entocava tudo! Mas acontece que os amigos, que conhecem o nosso potencial criativo, vão nos incentivando a expor o nosso trabalho e chega uma hora que já não conseguimos mais nos esquivar de fazê-lo. Assim foi comigo! Jakeline Siqueira, uma grande amiga e incentivadora, vivia me aperreando (a palavra é esta!) para que eu publicasse os meus escritos no Arena de Idéias – um caderno literário editado por Fábio Costa, que circulava aos sábados no corpo de O JORNAL, há alguns anos.

Apesar da proposta sedutora (porque todo artista deseja mostrar a sua arte), eu morria de vergonha só de imaginar que as pessoas pudessem tomar conhecimento das coisas que eu escrevia. Poemas, então, nem pensar! Foi aí que Jak contou ao Fábio sobre os textos que eu produzia, mas não tinha coragem de publicar, e ele me deu o empurrãozinho que estava faltando...

Enviou-me, por e-mail, um belo texto em power point, que contava a história de um cego que morava na Cidade Luz e passava o dia inteiro sentado no centro de uma movimentada praça, pedindo esmolas. Com uma tigelinha à sua frente, segurava em uma das mãos um pequeno cartaz com a seguinte frase: “Sou cego e não posso trabalhar. Ajude-me!”. Ao fim do dia, no entanto, por mais tempo que ficasse ali, o que ajuntava era muito pouco.

Certa vez passou pelo local um poeta que, pedindo licença ao cego, tomou o cartaz nas mãos e, virando-lhe o lado, escreveu: “É primavera em Paris. As flores estão por toda parte e eu não posso ver!”. Devolveu o cartaz ao homem e partiu. Conta a história que o cego não entendeu bem por que, mas, dali por diante, todos que passavam por ele deixavam, pelo menos, uma moedinha.

Não sei se foi essa a intenção do meu colega de redação, mas eu compreendi, definitivamente, que o talento que nos é dado por Deus não deve ficar guardado dentro das gavetas. Foi, então, que eu publiquei a minha primeira crônica, há quatro anos, no dia 3 de abril do ano de 2004.

Cada pessoa que aparece em nossa vida serve a uma intenção divina. Uns vêm nos dar o suporte na hora em que mais precisamos; outros nos apontam caminhos; alguns surgem para nos mostrar que os sonhos são possíveis, se acreditarmos neles; e até aqueles que nos machucam e perseguem tornam-se instrumentos de aprendizagem. E eu chamo esses encontros de “milagres”, pequenos milagres de Deus.

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