quarta-feira, 2 de abril de 2008

Um dia de cada vez

A despeito das tarefas a realizar naquela manhã, deixou-se voltar à cama, abraçando-se ao travesseiro e permitindo-se descansar: de noites maldormidas, de dias estafantes, do excesso de compromissos, do corre-corre habitual... Ficou assim algum tempo, numa luta interna entre a mente, que lhe cobrava o “levantar e agir”, e o corpo, que reclamava repouso. Até que se viu entrando apressada pela porta dos fundos da casa dos pais, em um breve sonho...

De novo o aconchego do lar paterno, onde podia sentir, com toda veracidade, o frescor da infância. Lá estavam o muro branco, o coqueiro solitário por trás do portão, o pé de figo no extremo canto, à direita, e o varal cheio de lençóis multicoloridos, quarando ao sol. Próximo à figueira, uma mulher descansava, olhando o horizonte após a tarefa cumprida...

Devagar, foi abrindo os olhos, tateando o chão com os pés e equilibrando o corpo sobre as pernas. A vida começava, mais uma vez, com as suas dificuldades naturais, os seus desafios próprios, e ela retornava nutrida daquele sonho... Para mais um dia.

“Não vos preocupeis com o dia de amanhã – disse Jesus, mui sabiamente – porque o dia de amanhã terá as suas próprias preocupações”. E arrematou com a célebre frase, em Mateus, 6;34: “A cada dia basta o seu cuidado”. Com essas palavras, não convidava à preguiça ou à inércia, mas à observação das necessidades diárias; à vivência sensata de cada momento: cada dia com o seu mal, como dizem alguns tradutores.

O fato é que cada dia é uma grande surpresa para todos nós, por mais que nos planejemos. A cada dia surge um fato novo, uma nova situação a ser administrada, e nós não podemos nos furtar ao trabalho, seja nas tarefas domésticas, nas responsabilidades profissionais ou na manutenção do próprio equilíbrio emocional.

A vida exige atitudes firmes a cada situação que aparece, e a sabedoria nos ensina a não empurrar com a barriga o que precisa ser realizado agora. Também nos adverte a não criarmos demasiada expectativa em torno do que ainda está por vir porque, como canta Caetano Veloso, “o melhor lugar do mundo é aqui e agora”.

Se agora é o trabalho que te chama, dá o melhor de ti; se é o descanso, pára um pouco e repõe as energias, sem cultivar a preguiça; se é a família, arrefece a marcha e exercita a paciência, o amor, a tolerância, a compreensão, a troca. Mas não deixa para amanhã os pequenos cuidados que são de hoje. Lembra que a vida, como bem conceituou John Lennon, é uma coisa que nos acontece enquanto estamos preocupados com outros planos, portanto, vivamos!

Tenho me questionado sobre as expectativas de Deus em relação a nós. O que será que Ele espera desse nosso estágio, ao mesmo tempo tão rico e inóspito? Cheguei à conclusão de que Deus não espera grandes feitos de nós; deseja apenas que nos esforcemos para vencer o mal de cada dia e dar o melhor de nós a cada desafio. As grandes realizações são o somatório do esforço diário de cada um.

Se conhecermos a história das pessoas que se destacaram por seus grandes feitos, a exemplo de Madre Tereza de Calcutá e tantos outros (muitos anônimos!), vamos ver que é bem assim. No caso desta, eu convido o leitor a assistir ao filme de Fabrizio Costa, produzido em 2003, que mostra a trajetória deste ícone de caridade e do devotamento ao próximo. A obra singular que se espalhou pelo mundo, inspirando corações sensíveis, começou, na verdade, em pequeninos atos em favor dos menos favorecidos. Seu maior mérito foi ter a ousadia de deixar que falassem mais alto os impulsos do coração...

Recentemente, a Veja anunciou para breve a publicação de um livro com as cartas da freira para o seu confessor. Nelas, nada mais do que as dúvidas e angústias de Madre Teresa diante dos desafios diários – momentos em que questionava até a própria fé. Provavelmente, pelo cansaço, como acorre por vezes a todos nós...

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