quinta-feira, 11 de junho de 2009

A canção dos oprimidos

Entre uma golfada e outra de chuva, uma rajada e outra de vento, deixo escorrerem por entre os meus dedos os sentimentos que capto do coração dos oprimidos...

São dias difíceis os que estamos enfrentando por aqui. A prepotência e a ignorância nunca estiveram tão em evidência quanto agora, sob um disfarce grotesco de competência e dinamismo. Em vários campos da vida e da arte, estátuas de barro estão sendo erigidas e cultuadas como se fossem deuses. Ah, ainda estamos tão distantes...

Sinto saudades de um tempo - que eu não sei se passado ou futuro - em que as pessoas eram tratadas com mais decência e respeito, e cada um valia pelo que era e pelo que dava de si. Não havia favoritismos nem preferências explícitas, mas a qualidade do serviço elegendo os escolhidos.

Uma concorrência saudável nascia dali: sob direitos iguais, a vitória estava sempre ao alcance de todos, que acabavam se revezando ao pódio e se aplaudindo mutuamente. O destaque de um era também o do outro, pois o fim era comum.

Um tempo em que se visava ao bem coletivo e que todos trabalhavam em conjunto, como uma grande família. Tempo em que o indivíduo valia mais pelos dons naturais do que pelos títulos ou as indicações. Tempo em que mulheres e homens se reconheciam como irmãos de um mesmo ideal, e não como adversários dentro do próprio lar...

- Isso não passa de um sonho tolo! Dirá o leitor impaciente. Uma fantasia idealista sobre uma sociedade alternativa, que nunca vai existir.

Mas estou certa de que este não é um sonho isolado: muitos são os que trabalham por um mundo assim, embora vários dos que reclamam hoje apenas anseiem pela oportunidade de trocar os papéis e dar continuidade ao jogo em voga, excessivamente competitivo e desleal.

Apesar disso, as mudanças vão acontecer aos pouquinhos porque o homem, ainda tão voltado para o próprio umbigo e cego de ambição puramente material, é um ser em constante mutação.

Tenho visto a ganância ceder lugar ao ganho coletivo por força da sobrevivência; assistido à prepotência baixar a crista, sob a influência do medo; observado os poderosos modularem a voz para ouvir a sabedoria de um subalterno; assistido à dança das cadeiras dinamizar o capitalismo; e acompanhado pacientemente o desfile dos circos, do canto que me cabe na arquibancada... Porque tudo passa.

Só não passam os sentimentos verdadeiros, conquistados com entrega e desprendimento; o aprendizado adquirido nas diversas existências; e as Leis Naturais, inscritas na consciência humana como um código de ética, a regerem harmonicamente a sinfonia do Universo...

Mas, enquanto esse tempo não chega, ficam os versos do poeta italiano Lucio Dalla (na versão do paulista Beto Mi) ressoando no canto dos oprimidos como um desabafo - um estranho desabafo incrivelmente atual:

"Caro amigo, te escrevo
E assim me distraio um pouco
Estou fazendo tratamento pros nervos desse mundo
Que tá muito louco
Desde que você foi embora,
Tenho uma grande novidade
O ano velho acabou
E, até agora, nada muda aqui nesta cidade.
A gente não sai de casa mesmo por um bom motivo.
Falando nisso,
Cortaram as asas e o bico do meu paraíso.
E nós ficamos calados por uma semana inteira
E o outro, quando resmunga, coitado!
Abre a boca e só fala besteira.
Mas a televisão nos disse:
'O ano que virá trará uma grande transformação'
E todos nós estamos a esperar.
[...]
Veja, caro amigo, o que a gente tem que inventar
Para poder se gozar e continuar esperando.
E se esse momento passasse num instante?
Veja, caro amigo, como é divino e importante
Que nele nós estejamos.
O ano que está chegando
Daqui a um ano será saudade
E eu continuo esperando
Esta é a grande novidade!".

@aos meus colegas: de corpo e de sangue, de ofício e de profissão...

3 comentários:

Lula Castello Branco disse...

Essa poesia me fez lembra do 'mijãozinho', que nos roubaram e para o poder público foi como se tivesse acontecido um simples assalto de esquina, quer dizer, para o tal poder vigente, de uma população maníaco-megalomaníaca, uma simples assalta, que até leva a morte, é apenas mais um, um número nos índices. O Ser Humano não se dá mais o valor. Morro de saudade do mijãozinho, ali, na praça Sinimbu. Símbolo da pureza de espírito, da infância sadia, do humor. Por ande andará o Mijãozinho ?... A prefeita da gestão que assistiu calada esse roubo taí, candidata novamente... Quer dizer, nada se muda no sistema... Essa evolução dói no coração.
Yvete, companheira, sofro absurdamente com essa população doente, da ilusão da tecnologia salvadora, do conforto da mais valia (o bem-bom que as boas ovelhinhas recebem como prêmio)... sei lá... sei lá...
Bjão
Lula

Lula Castello Branco disse...

onde está escrito "uma simples assalta,", leia-se - "um simples assalto,".

Yvette Maria Moura. disse...

também já sofri bastante com os desmandos e as incompreensões alheias, companheiro, mas aprendi a não adoecer junto dando a minha parcela de contribuição por um mundo melhor.
eu acredito nisso e sei que tu também.
um grande abraço, companheiro, é sempre bom ter-te por perto!