quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Por detrás daquelas serras...

Eram seis horas quando a Lua abriu os seus grandes olhos e, palmo a palmo, foi ganhando o céu. Vendo aquilo, coloquei uma cadeira à margem das plácidas águas do açude do antigo Engenho Mangue, a poucos metros da casa de meu pai, e me sentei para assistir ao espetáculo celeste. Silenciosas, as águas também pareciam reverenciar a Lua, refletindo num imenso rastro dourado toda a beleza do luminoso desfile.

Era laranja o olho que se erguia do fundo negro salpicado de estrelas, e eu fiquei extasiada com tanta beleza, mas algo me dizia, no íntimo, para aproveitar bem aquele momento porque seria um dos últimos presentes da natureza que eu iria receber dali.

De fato, a cena não se repetiu uma segunda vez. Não demorou muito, e as mudanças começaram a acontecer. Primeiro veio a doença do meu pai, que o forçou a voltar para a cidade, e, mais tarde, o aprisionou a um leito de hospital na capital pernambucana. Com a sua morte, os meus irmãos, que nada enxergaram além dos ganhos financeiros daquela oportunidade, articularam a venda da tão querida propriedade.

Mas, naquela noite, assim que avistei a Lua engatinhando pelo céu, deixei tudo que estava fazendo para me postar às margens das águas mansas, que crescem durante o inverno, engolindo a vegetação ao redor. A escuridão da noite, a companhia das árvores, o canto dos grilos, o coaxar dos sapos, tudo compunha o cenário encantado daquele espetáculo da natureza. E eu me sentia como se tivesse adentrando aos pórticos celestes, profundamente integrada à maravilhosa dinâmica da Criação.

Aliás, tudo me remetia a Deus naquele instante. Logo, não havia outra coisa a fazer a não ser abrir o meu coração para o Pai, já que fora Ele o primeiro a iniciar aquele eloquente diálogo.Comecei a Lhe falar da minha satisfação por estar ali, presenciando aquele momento único. Agradeci-Lhe pelo usufruto daquele lugar e por todo o bem que ele estava nos proporcionando, a mim e à minha família. Percebi pelo brilho das estrelas que, a cada palavra minha, Deus abria um sorriso e afirmava que tudo havia sido carinhosamente preparado para me alegrar. Ele queria me ver feliz e não media esforços para isso...

Tolo! Pensei. Não precisava tanto. Basta que me permita sentir a Sua presença paternal mais vezes e me dê a certeza de que zela por mim. Mas não lhe disse nada porque me lembrei de que nem sempre eu era assim... Também tinha os meus caprichos de uma mimada criança espiritual. Tinha arroubos de personalismo e desânimo, e os interesses mundanos, que, muitas vezes, falavam mais alto dentro de mim, distanciavam-me da felicidade.

Mas, diante de Deus, quem deseja mais do que ser acolhido? Quem se lembra do antes ou do depois dessa existência? Foi o que me aconteceu. Senti-me a mais amada das criaturas, a favorita! Mas também senti o peso da responsabilidade...

Será que eu mereço tudo isso? Pensei. Então compreendi que não existem preferências para o amor de Deus. Nós é que nos candidatamos à vaga do filho pródigo. Basta que nos capacitemos através dos sentimentos e das nossas escolhas e ações. Assim, foi que me dei conta de que as minhas perguntas deveriam ser outras: O que fazer para me sentir integrada à alma da natureza? Como ser convidada a participar dos seus banquetes? A resposta me veio clara pelas fibras do coração: cuida bem de tudo que te é dado de graça para que possas ainda, e sempre, receber.

Assim tem sido comigo. É tão intenso o amor que nutro pela natureza que, mesmo não usufruindo mais das benesses daquelas serras, a vida tem me reservado manhãs, fins de tarde e anoiteceres inesquecíveis como aquele. Pois não é a Lua quem escolhe os seus apaixonados, são eles que desenvolvem a capacidade de conversar com Deus através dela.


@Crônica publicada no dia 07 de novembro de 2007, em O Jornal - Maceió, Alagoas.

2 comentários:

BLOG disse...

Ivette, acompanho sua coluna a muito tempo e fico impressionando como você consegue transmitir a fotografia da alma humana, fico emocionado quando você fala ao sair de casa e beija suas filhas, sente a singeleza de uma lagarta ao tentar escalar um galho de planta, o simplicidade de um passeio de um casal de mãos dadas, da determinação dos componentes do Corpo de Bobeiros em seu treinamento. temos algo em comum, a visão da vida, da alma, do coração, da emoção, do ser humano, do viver, do sentir. não tenho a habilidade de escrever, mas consigo visualizar o sentimento das pessoas e sentir o quanto é bom ser bom, transmitir bondade, so isso pode fazer as pessoas melhores e consequentemente o mundo será um lugar de paz.
beijo no seu coração.

Yvette Maria Moura. disse...

meu caro Ronaldo,
desta vez, foram as suas palavras que me deixaram emocionada...
como fazem os orientais, reconhecendo no outro a porção divina que há também em si, eu me curvo diante de ti, com as mãos em concha à altura do peite, e digo: Namastê!*

*palavra cuja tradução seria "o Deus que habita em mim saúda o Deus que habita em você!".
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paz!