quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Mais deserto que o Saara

(foto: Yvette Moura)

O solo é árido. O ar, rarefeito. A areia é seca e escorregadia. O sol, escaldante e intenso. E a brisa, que tudo poderia amenizar, é uma lufada de vento, quente e seca, como um sopro na cara. Vencer é para os mais ousados; morrer, a escolha dos covardes; sobreviver é a luta dos persistentes; e contar histórias, o labor dos sábios.

Nesse deserto, a caminhada é tarefa árdua, mas nós não somos os únicos por aqui. Muitos já fizeram essa travessia, enfrentando dias exaustivos e noites intermináveis de frio cortante. Perderam-se e se reencontraram muitas vezes. O silêncio noturno é ensurdecedor. A solidão das madrugadas é uma experiência inenarrável, sem remédios ou bálsamo que aliviem: é confiar na ação generosa do tempo e aguardar humildemente que o dia amanheça.

Às vezes dá vontade de gritar. Um desejo louco de correr vida afora como se fora possível acordar do pesadelo. O ar parece faltar aos pulmões. Os olhos, saltar pelas órbitas. O coração palpita, disparando a galope. A pressão chega ao pico, como se, a qualquer momento, tudo fosse espocar...

Depois, tudo passa. Vem a calmaria e nos sentimos como extasiados diante de um lago de águas mansas e cristalinas. A paisagem em volta nos enche os olhos e aquieta a alma: tudo floresce; tudo serena e acalma. O coração desacelera; os olhos se debruçam sobre a natureza, apascentados e contemplativos; o ar entra naturalmente pelas narinas e ganha a amplidão dos pulmões, que se alargam e crescem, nutridos e satisfeitos; e o sangue passeia tranquilamente pelas veias, levando oxigênio novinho em folha a toda a estrutura de carne que nos abriga o espírito.

Sentimo-nos como que transportados para um dos oásis celestes, a que chamamos “paraíso”. O espaço infinito é repleto deles, mesmo que não os divisemos com os olhos limitados e distraídos de hoje. Mas, na natureza, tudo evolui.

Se não fossem as tormentas, como avançar? Como sair do estágio primeiro de simplicidade e ignorância? Permaneceríamos tal qual crianças mimadas e voluntariosas, refestelando-se nos prazeres passageiros da ociosidade e da fantasia como se fossem eternos. Entediados, talvez nem valorizássemos todas as benesses recebidas, gratuitamente, pelas mãos do Pai da Vida.

Então nos visitariam o enfado, a melancolia, o cansaço, o tédio, e logo perderíamos a alegria de viver. Os criativos reinventariam a perfeição, mudando o sentido das coisas, entornando as tintas e colorindo tudo ao contrário: criando estilos exóticos, esdrúxulos e extravagantes.

Os apáticos morreriam de inanição e de indiferença pelos outros e por si mesmos.

Os mais perversos ensaiariam pequenas maldades contra os outros para se divertir e, tão logo lhes passasse o efeito da adrenalina, golpeariam com doses maiores de violência os seus adversários imaginários.

E os sensuais, buscando emoções novas, deixar-se-iam inebriar pela inalação de aditivos químicos, pela degustação de sabores diferentes e pela exacerbação dos prazeres carnais, tentando esgotar, em um segundo de volúpia, toda a plenitude da vida.

E a existência, preciosa existência, estaria perdida...

É por amor, portanto – divino amor do Criador pela Criatura –, que, sem nos apercebermos, as entranhas do lago se turvam e se agitam, até que, chegadas as chuvas, os lagos se transformam em rios, cujas águas, apressadas e sôfregas, lançar-se-ão ao mar como se fossem atraídas para o escuro da própria fatalidade.

Quanto mais rebeldes formos nas intempéries da vida, mais dolorosa será a desértica caminhada. A paciência, a perseverança, a simplicidade e a fé são elementos valiosíssimos para se pôr na bagagem. Afora isso, é aceitar o que não pode ser mudado, ter coragem para modificar o que for passível de mudança e desenvolver a imprescindível sabedoria de discernir uma coisa da outra.

2 comentários:

Kelly disse...

Muito agradecida pelas suas palavras. São inspirações divinas. Muitas vezes é aqui que eu busco o conforto que preciso para a minha caminhada mais tranquila e cheia de amor.

Yvette Maria Moura. disse...

obrigada, querida.
são leitoras como vc que nos inspiram e nos dão coragem e entusiasmo para publicar estes textos.
um bj
beeemmm grande!
MM.