sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Pelas linhas do afeto

- Alô? – atendi o celular, que chamava, insistente, no toque habitual.

- Viu as mensagens que eu mandei? – perguntou uma voz feminina, do outro lado da linha, um pouco modificada e metálica como se fora uma ligação telefônica de longa distância.

- Não... – respondi meio sem graça, julgando falar com minha mãe, que sempre se dirigia a mim naquele tom e com alegria semelhante.

- Eu imaginei, por isso estou te ligando. – concluiu a interlocutora sem qualquer tom de crítica; antes, um cuidado maternal, com carinho e compreensão.

Com aquelas palavras, como se de repente “caísse a ficha”, eu acordei apressada, procurando o celular na cabeceira da cama para ver as horas. De fato, já haviam passado alguns minutos da minha hora de levantar e, se não andasse depressa, iria acabar me atrasando para o trabalho. Ao longo do dia, ficou-me a impressão gostosa de ter alguém muito próximo cuidando de mim, atento às minhas “necessidades”. Mas nada material, como um gênio da lâmpada; uma atenção carinhosa e edificante, como se partisse de um anjo da guarda...

Nos cinco livros codificados por Allan Kardec, o Espiritismo fala com profundidade sobre a ação benfeitora dos anjos da guarda – que nada mais são do que espíritos superiores comprometidos com o nosso aprimoramento moral. Com igual seriedade, discorre também sobre os espíritos protetores e familiares, que são as almas dos nossos entes queridos “desencarnados”, frequentemente nos ajudando com as suas boas intuições e os seus bons conselhos.

Outro dia, no programa Momento Espírita (que vai ao ar todos os sábados, das 16h às 18h, pela Rádio Difusora 960 AM), um ouvinte nos ligou para contar que, todas as vezes que estava passando por um momento difícil, o seu pai lhe aparecia fazendo aconselhamentos e sugerindo soluções, que o ajudavam sobremaneira a resolver os problemas que estava enfrentando. Incrédulo, apesar das evidências, perguntou ao entrevistado: - Será que esses encontros acontecem de verdade, ou são criações da minha mente?

- O pior cego – redarguiu o professor Gilvon Barros, utilizando-se de um adágio popular para iniciar a sua resposta – é aquele que não quer vê.

Partindo-se do princípio de que somos seres criados pela Perfeição Absoluta para a plenitude espiritual, é crível que os afetos construídos – através do contínuo aprendizado do amor – se percam nos escombros do passado, para sempre, como se não tivessem qualquer importância para nós? É justo que os cuidados paternais, o amor filial, a amizade sincera e o amor verdadeiro entre os seres que compartilharam uma mesma existência se desfaçam e se acabem com a morte do corpo físico? Não parece mais lógico que uma afeição sincera permaneça, perene e intacta, no outro lado da vida?

O saudoso médium espírita Chico Xavier – cuja trajetória na Terra foi uma ininterrupta e ilibada experiência de amor ao próximo – foi a prova viva dessa verdade. Quantas mães sofridas não tiveram suas lágrimas secadas pelas cartas dos filhos “mortos”, que Chico humildemente psicografou? Quantas não voltaram a sorrir ao se certificarem da continuidade da vida após a morte do corpo físico? Quantas não se dedicaram aos órfãos da sorte em substituição ao amor filial, que “perderam” temporariamente?

Pois eu mesma já tive garantido o meu presente de Natal, deste ano, ao receber, recentemente, uma dessas cartas, ditada pela minha mãe. “Etinha, querida – disse, me chamando pelo apelido da infância –, nas noites de lua, que aqui são ainda mais belas, eu continuo a cantar como fazíamos aí”. E eu voei no tempo, lágrimas nos olhos, recordando as noites de lua cheia, lá em Canhotinho, em que nos sentávamos nas cadeiras de balanço, no quintal da casa, e soltávamos a voz, mirando o céu estrelado: “Não há, ó gente, ó não, luar como este do Sertão”...

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