sexta-feira, 2 de julho de 2010

Sobre lugares e gente

(foto: Yvette Moura)

“O cenário era aterrador: no meio da destruição, pessoas ‘acampavam’ sobre os escombros da antiga morada, como se dissessem: Aqui era a minha casa. Eu não tenho mais para onde ir” – afirmou Rosineide, contando-nos sobre o que vira ao visitar algumas das cidades atingidas pela cheia dos rios Mundaú e Paraiba para levar donativos.

Sem que verbalizasse qualquer pensamento, o que mais me chamou atenção no relato da voluntária foi a semelhança das suas impressões com o que eu senti quando percorri a parte baixa da cidade de União dos Palmares, dois dias após a tromba d’água ter passado por ali, no dia 18 de junho.

Num cenário desolador, ruas inteiras foram devastadas pela força das águas – que além de pertences, amigos e parentes, levaram todas as referências que aquelas pessoas tinham, deixando uma massa confusa e disforme (de destroços, lama e lixo) no lugar das suas residências.

As manchetes dos jornais, as fotografias, as imagens das matérias televisivas não traduzem com fidelidade a situação dos sobreviventes das enchentes, que assolaram 28 municípios dos estados de Alagoas e Pernambuco, em pleno período junino. É preciso ver para crer. Precisa percorrer aquelas ruas desfeitas para ter uma noção real da reviravolta que aconteceu na vida dessas pessoas – sem que nada pudesse ser feito – em poucas horas. Rosineide disse o mesmo...

Por onde passei, a paisagem era de desolação e impotência. Os semblantes vazios, atônitos, daqueles que um dia habitaram aqueles logradouros, agora inexistentes, traduziam perfeitamente o buraco que se lhes abrira por dentro, impiedosamente.

Onde havia comércio, ao contrário, o dia era de muito trabalho. Limpar a casa, retirar toda a lama e colocar os produtos restantes de volta nas prateleiras, pareciam tarefas urgentes. O prejuízo era grande – tão grande quanto o montante que precisaria ser gasto para revitalizar os negócios e equilibrar as finanças –, mas, com um pouco de sorte e muito trabalho, daqui a um tempo tudo seria normalizado...

Quanto aos que ficaram sem nada – aqueles que tiveram tudo, do pouco que possuíam, tomado de assalto pelo rio –, apenas a compaixão alheia poderia consolar. Da noite escura em que mergulharam, ficava difícil vislumbrar o horizonte. E apenas a alegria de permanecerem vivos lhes remetia à misericórdia divina. Ao fim de tudo, a gratidão era um sentimento comum.

Colhendo imagens com a minha Canon, uma cena me quebrou ao meio: um jovem, aparentando faixa etária de 18 a 22 anos, usando bermuda apenas e portando uma sombrinha colorida, estava sentado no que parecia ter sido a soleira da porta de sua casa. Olhar distante, o rapaz trazia o semblante fechado como se estivesse mergulhado dentro de si mesmo; talvez num esforço hercúleo para resguardar o que sobrou da sua identidade...

Foi então que me dei conta da ação devastadora dessa experiência na vida daquelas pessoas. A casa é a representação material do que chamamos “lar”. Não importa se um palácio ou um barraco, é nela que compartilhamos experiências com os “nossos”. É dela que saímos para o labor diário e sempre voltamos para o merecido descanso. É no lar que criamos o nosso ambiente de paz, aconchego e segurança. Perder a casa é perder a referência do retorno: para onde voltaremos? A dor daquele jovem doeu em mim também...

Mas as crianças – ah, as crianças... –, essas me deram verdadeiras lições de vida. Encontrei-as num campinho de vôlei, improvisado sobre os escombros de casas desabadas, tocando a vida em frente. Também na “amarelinha” desenhada pelas mãos de Monalisa – uma menina de 8 anos que brincava com as novas vizinhas num alojamento de desabrigados. No mesmo lugar onde encontrei meninas brincando de “elástico”, feito do remendo de embiras, e Diego, brincando de esconde-esconde num monte de roupas doadas. Todas sorriam, festejando a vida.

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